Em homenagem ao dia 3 de agosto, que é comemorado O ‘Fim da Censura no Brasil’, a Gazeta do Rio Pardo entrou em contato com o professor de história Luiz Fabrício de Oliveira Mendes, formado na Unesp de Franca, para falar sobre a importância da data e contar a história do período.
Primeiramente, a censura à qual a data se refere não é a do sentido mais comum que a população carrega (considerando os conhecimentos prévios dos meus alunos quando abordo o tema), que é a “censura de idade”, hoje chamada de classificação indicativa, quanto a filmes, espetáculos e outras obras terem adequação de idade quanto a quem pode ou não ver. Trata-se da censura no sentido de limitação da liberdade de expressão, controlar-se o que se pode ou não falar, geralmente num contexto de uma pessoa, grupo ou instituição – geralmente o governo – impedir a veiculação de opiniões contrárias às suas práticas, ideologia ou interesses.
O termo nasceu na Roma Antiga, a partir de um cargo de magistratura da República romana (uma espécie de funcionário público) chamado “censor”. Ele tinha duas funções: contagem da população e sua renda – o “censo” (termo usado até hoje, assim como o termo “censitário” para se referir à classificação por renda dos indivíduos) e “zelar pela moral pública”, a “censura”, que lhe permitia vetar peças, poemas ou determinadas opiniões vistas como ameaça à República romana. Ou seja, uma das mais antigas práticas de se controlar o que pode ou não ser publicado com base no que o governo considera relevante à sua existência e modo de pensar.
Ao longo da História, diversos foram os casos que podemos considerar censura, como a proibição de livros e a perseguição de autores que contrariassem os preceitos católicos a partir do Index Librorum Prohibitorum (Lista de Livros Proibidos), parte da Contrarreforma Católica do séc. XVI. Ao longo do tempo, nomes de René Descartes a Simone de Beauvoir estiveram presentes no Index com suas obras. No período do Iluminismo, no séc. XVIII, muitos livros contrários ao Absolutismo, ou seja, contrariando o poder real ilimitado, eram tirados de circulação, e os pensadores que os escreviam obrigados a se exilar. Em grande parte devido a isso, a liberdade de expressão surgiu como um dos mais essenciais direitos humanos a partir dos movimentos iluministas dos séculos. XVIII e XIX (como a Revolução Francesa), tornando-se junto a outros como a divisão do governo em 3 poderes e o Estado laico, um dos principais fundamentos das democracias ocidentais modernas.
Mesmo assim, a censura continuou sendo amplamente usada por governos ditatoriais, como é o caso dos totalitarismos do séc. XX (Fascismo, Nazismo, Stalinismo, etc.). Na era dos meios de comunicação de massa (jornais impressos, rádio, mais tarde a TV), a censura prévia surgiu como mecanismo pelo qual tanto conteúdo da imprensa quanto artístico passou a ser submetido a censores do Estado antes da publicação, para analisar, alterar ou até vetar conteúdos que considerassem ameaça à ordem vigente.
Censura no Brasil
No Brasil, infelizmente, sempre houve um flerte de diversos governos com a censura. Durante a monarquia (tanto D. Pedro I quanto D. Pedro II) era comum o “empastelamento de jornais”, periódicos que criticassem o rei eram invadidos por seus apoiadores e tinham prensas e outros equipamentos destruídos para não poderem mais circular. A renúncia de D. Pedro I, em 1831, ocorreu em grande parte devido ao assassinato de um jornalista ítalo-brasileiro que lhe era contrário: Libero Badaró.
No período republicano, o Brasil passou por duas ditaduras. A primeira foi a de Getúlio Vargas, que no Estado Novo (1937-1945) usou o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) não só para organizar e fomentar manifestações de apoio ao seu governo, mas realizar censura prévia aos meios de comunicações e arte na tentativa de barrar quaisquer críticas ao seu governo.
Mais tarde, houve de 1964 a 1985 a ditadura militar. Através da Lei da Imprensa, de 1967, foi instituída a censura prévia a jornais e outros periódicos, que não podiam publicar notícias ou artigos sensíveis ao governo. Foi o início das conhecidas receitas de bolo ou poemas inseridos na diagramação do jornal no lugar dos textos censurados, indicando ter havido intervenção na publicação.
No mesmo período, as mais diversas formas de expressão artística foram alvo de censura pelos militares, como filmes, livros, peças de teatro, músicas ou novelas de TV tendo de passar pelo crivo dos censores para chegarem ao público. Nisso, não eram barradas apenas obras contestatórias ao regime, mas também aquelas que feriam sua visão de “moral e bons costumes”. Em várias dessas situações, as justificativas chegavam às vias do absurdo, quando não ignorância, como na ocasião em que se expediu mandado de prisão ao autor da peça de teatro “Electra”, sem os militares saberem que Sófocles morrera em 405 a.C.
3 de agosto é comemorado como Dia do Fim da Censura no Brasil devido ter sido a data de outorga da atual Constituição, em 1988, que baniu as práticas de censura das leis brasileiras, restituindo o compromisso com a liberdade de expressão. É importante que a data seja lembrada, e sua importância, refletida, principalmente pelo momento nacional de ataque aos veículos de imprensa e discurso contra sua credibilidade – senão (ainda) pela força de leis restritivas, através da prática de desinformação e relativização de fatos. Como dito antes, livre imprensa e livre expressão são bases essenciais à estruturação das democracias.