terça-feira , 26 novembro 2024
Início / Cultura / Somos todos euclidianos
Euclides da Cunha ( Reprodução: Agência Brasil)

Somos todos euclidianos

Pessoas de diferentes regiões do país explicam as razões de fazerem parte do Movimento Euclidiano

Por Gilmar Ishikawa

Já faz parte do cotidiano rio-pardense, há várias décadas. De 9 a 15 de agosto acontece a Semana Euclidiana (SE), reunindo atividades sociais, cívicas, culturais e acadêmicas para rememorar vida e obra de Euclides da Cunha. A exemplo do ano passado, a SE vem no formato virtual, com palestras, aulas e conferências totalmente online. Uma maneira encontrada pela organização para não suspender a realização do tradicional evento.

Ao contrário do que se pode dizer, o Movimento Euclidiano não se repete. Ele é perene, criou raízes que se espalharam pelo mundo afora. E na semana de 9 a 15 de agosto, todos os anos, ele floresce.

Por diferentes lugares, pessoas de diferentes profissões perpetuam Euclides da Cunha. Seja uma citação ou um livro inteiro; uma questão de prova ou uma redação de vestibular. Quando são comparados os diferentes “Brasis”; quando são denunciadas as desigualdades, quando o povo clama por justiça, ali estão impressões euclidianas. E é desta forma que o Movimento Euclidiano se nutre e atravessa décadas, sobrevive a crises, se reinventa para atravessar momentos difíceis, como a pandemia.

Nesta edição, Gazeta do Rio Pardo apresenta diferentes faces que levam o Movimento Euclidiano para alguns cantos do Brasil. São pessoas que contribuem para a manutenção desta manifestação cultura sui generis. Em geral começaram como maratonistas, se tornaram professores, conferencistas e se dedicam há décadas a levar adiante o Pensamento Euclidiano, como numa grande legião que não deixa morrer este ilustre brasileiro.

Em resumo, eles respondem questões simples e objetivas que explicam as razões de terem se tornado euclidianos, mostram que o “Ser Euclidiano” vai além da Semana, se estende pela vida.

Assim, responderam à Gazeta: Como e quando foi o seu primeiro contato com o Movimento Euclidiano; Por qual razão atua no Movimento Euclidiano; Quais as contribuições do movimento euclidiano na sua vida pessoal; Na sua opinião, o que permite a existência desta tradição cultural; Qual foi a sua melhor Semana Euclidiana e Em termos de personalidade, qual é ou qual foi o grande nome de todas as Semanas Euclidianas?

Regina Abreu, 65, Rio de Janeiro (RJ) – Antropóloga, Professora titular da UNIRIO

Seu primeiro contato com o Movimento Euclidiano se deu nos anos 1980, quando veio a São José do Rio Pardo pesquisando sobre Euclides da Cunha. Ela diz que atua no Movimento Euclidiano porque considera fundamental o projeto de ampliar o conhecimento sobre a natureza (a Terra) e a diversidade cultural brasileira (o Homem).

“O projeto de pesquisa e conhecimento de Euclides da Cunha me interessa enquanto projeto integrador que inaugura um universo de amplitudes, latitudes, longitudes. Considero super atual e pertinente pensar e agir para um país que abrigue o plural, o diverso, o contraditório. E que amplie as linguagens, as formas de expressão, as personas poéticas que existem em todos nós. Euclides nos abre a possibilidade e a vontade de experimentar novas linguagens e novas formas de vida. Seu olhar de observador atento me convoca para reler o Brasil permanentemente com ele, descobrindo e inventando um devir poético que vem do palmilhar a terra, do adentrar outros mundos, do romper com todas as estruturas de classe, de origem, de destino. Euclides rompe com o paradigma da tragédia grega para se aventurar num devir que mais tarde seria qualificado por Oswald de Andrade como antropofágico. Ele nos convoca a queimar a nós mesmos, nossas contradições, nossas heranças atávicas e tudo que nos paralisa. Gosto desta audácia, desta rebeldia, deste destemor que me traz a vida e a obra de Euclides. É uma obra aberta, com muitos caminhos, que nos permite trilhar novas esperanças num país fadado ao fracasso, à mesmice, à cacofonia”.

A professora lista contribuições do movimento euclidiano na sua vida pessoal. “O movimento euclidiano me trouxe amigos, amigas e muita inspiração para seguir em minha trajetória de intelectual e professora”. Segundo diz, “a vontade de estar junto, de se aventurar por novos caminhos, de estudar, de ler e reler o Brasil sob óticas impensadas e improváveis” é o permite a existência desta tradição cultural.

Para Regina Abreu, não há que se falar na melhor Semana Euclidiana. Foram “muitas, cada uma diferente da outra”. Segundo considera, são dois os grandes nomes de todas as Semanas Euclidianas: “Oswaldo Galotti e Joel Bicalho para mim serão sempre presenças marcantes”.

Noilton Nunes, 74 anos, Rio de Janeiro – Cineasta

Meu primeiro encontro com o Movimento Euclidiano foi quando em 1965 recebi do meu pai um recorte de jornal com anúncio do concurso Centenário de Nascimento do Escritor Euclides da Cunha, promovido pelo Ministério da Educação. Meu pai começou a me incentivar. No dia seguinte deixou na mesa da sala um exemplar de Os Sertões, que li como se fosse o melhor dos gibis ou o mais emocionante dos romances. Passei a fazer pesquisas sobre o escritor que eu ainda não conhecia. Escrevi minha monografia, ganhei o concurso nacional e nunca mais abandonei Euclides. Descobri que existia o culto em São José do Rio Pardo. Brotou em mim um desejo imenso de participar de uma Semana Euclidiana. O que só consegui anos depois quando já assumidamente cineasta, fui filmar as cenas da criação do Livro Número Um do Brasil, a Bíblia da Nacionalidade, para o longa A Paz é Dourada – A Saga de Euclides da Cunha.

As filmagens foram realizadas durante a Semana que teve Luiz Carlos Prestes como o Conferencista Oficial. Toda nossa equipe técnica e artística foi assistir a conferência do Cavaleiro da Esperança e ouvimos ele afirmar que Euclides tinha recebido das mãos do Escobar, prefeito da cidade, um exemplar de O Capital, de Karl Marx. Olhei para o Breno Moroni, ator que interpretava Euclides, para Katja Alemann, atriz argentina que fazia Ana. Com a mesma sensibilidade aguçada, pensamos em reproduzir a cena. Terminada a conferência conversamos com o Prestes e ele topou em ir no dia seguinte, bem cedo, ao cenário da cabana que construímos para as filmagens e ele, como ótimo ator, incorporou Escobar oferecendo O Capital para o Breno. Todos os dias de manhã dávamos informações na rádio sobre as filmagens do dia e fazíamos pedidos para a população. Precisamos de um exemplar do livro O Capital. Apareceram três.

A realização do filme foi um grande desafio e as muitas dificuldades para vencer os tortuosos percursos para sua finalização transformaram-se em pesadelos intermináveis na minha vida.

O Movimento Euclidiano foi fundamental para a formação da minha consciência, do meu conhecimento sobre a Terra, o Homem e a Luta. Ao me aproximar do tesouro de pensamentos euclidianos eu adquiri uma bagagem cultural, educacional e artística que me permite viajar intensamente pelos domínios da imaginação. A existência do Movimento Euclidiano é uma luz dourada que ilumina milhares de mentes pelo mundo, afastando-nos do obscurantismo provocado pelos imbecis triunfantes que tentam nos enxotar; que tentam passar por nós, para ocupar os melhores postos de decisão.

Participei de várias Semanas e cada uma me marcou de diferentes maneiras. Numa delas, no café da manhã, despedimo-nos do Roberto Ventura, que pegou estrada e logo depois soubemos do acidente que o vitimou. Foram muitas pessoas que marcaram presenças eternas nas minhas memórias: Oswaldo Galotti, Alvinho, Joel Bicalho, Anabelle, Raquel Bueno… Paro por aqui, pois quero recompor minhas lembranças com muito mais clarezas.

Rachel Aparecida Bueno da Silva, 58 anos – Professora aposentada da Rede Pública Municipal de Campinas e escritora – Campinas-SP

Meu primeiro contato com o movimento euclidiano foi no ano de 1980, com 17 anos de idade, quando era aluna do curso de magistério e fui representar a cidade de Campinas na Maratona Intelectual Euclidiana. Participar da SE foi um prêmio que a escola me concedeu, por ter participado e ganho um concurso de redação promovido TV Campinas. Esse concurso foi o precursor do EPTV na Escola.

Desde o início tive uma grande identificação com o movimento euclidiano, com a obra e com a cidade de São José do Rio Pardo. Estar no movimento é uma forma de militância junto a cultura e a educação. É dar continuidade ao trabalho de grandes mestres como Professor Hersílio Ângelo, Dr. Oswaldo Galotti, Moisés Gicovate e do Professor Dálvaro da Silva, que era professor do ciclo de estudos euclidianos e meu professor de Literatura em Campinas. Devo a ele minha intensa preparação como maratonista, pois no ano de 1981, para que eu não desistisse de participar da SE, leu Os sertões juntocomigo durante todo o mês de julho. Dar continuidade ao trabalho desses mestres é dar continuidade ao trabalho do próprio Euclides da Cunha em prol da cultura brasileira.

Costumo dizer que toda minha formação intelectual, profissional e política deu-se através do Movimento Euclidiano. Por conta dos estudos desenvolvidos dentro do Movimento aprofundei minhas pesquisas na área e desenvolvi minha dissertação de mestrado pela Unicamp, com o título O projeto de construção da nação republicana na visão de Euclides da Cunha. Além de desenvolver meu gosto pela escrita.

Eu acredito muito na força do texto euclidiano, nas denúncias feitas por Euclides, que continuam muito atuais, mas principalmente no engajamento da cidade de São José do Rio Pardo. Manter um movimento cultural por mais de um século só é possível porque nessa cidade há guardiões da memória.

Acho que eu seria injusta em apontar uma SE como sendo a melhor, para mim todas têm algo de especial, mas eu apontaria como uma das mais marcantes aquela que comemorou o centenário do movimento euclidiano, em 2012. Naquele ano houve um movimento de reencontro dos ex-maratonistas de todos os anos e foi lá também que eu lancei meu livro Aconteceu em agosto: Casos e causos das Semanas Euclidianas.

Embora eu tenha visto muitas personalidades importantes passarem por várias SEs, como políticos, intelectuais e artistas do Brasil e de vários lugares do mundo, para mim a maior personalidade até hoje insuperável é o Dr. Oswaldo Galotti. Um visionário, que dedicou sua vida ao movimento euclidiano, pesquisou e sempre dividiu seus conhecimentos com todos aqueles que desejassem conhecer um pouco mais do Brasil e dos brasileiros através da obra euclidiana.

Renan Petrasso, 30 anos, Monte Alto/SP, Diretor de Turismo de Monte Alto

Tive o primeiro contato com o movimento na 3ª série do Ensino Médio em 2008, quando selecionado para representar minha escola na Semana Euclidiana, através de um projeto do amigo Professor Leandro Leal de Freitas, que acompanhava e incentivava os alunos a participarem do evento. A partir daí o desejo de tornar-me parte deste grupo cresceu, na eterna expectativa ansiosa de que o próximo agosto não demore a chegar.

Enxergo no movimento a chance de despertar em mais jovens a importância de conhecermos e valorizarmos nossa Cultura, além, claro, da constante luta que ele representa para a Educação, em um país onde assistimos estas pautas regredirem. Permanecer e poder contribuir com a difusão destes saberes me recorda das oportunidades que tive desde a primeira vez que estive em São José do Rio Pardo, alegrando-me quando outros jovens também vivenciam esta experiência.

Na eterna construção de quem sou enxergo um pouco de muitos momentos que vivenciei e pessoas que conheci na trajetória euclidiana. Uma imensa e intensa colcha de retalhos com significados, cores, crenças e diferenças que, unidas, se completam. Sem dúvida a Semana Euclidiana construiu e desconstruiu diversos Renans, contribuindo para a busca de um ser humano melhor, me oferecendo oportunidades de desenvolver empatia pelo outro, princípio ético cada vez mais essencial em tempos tão frios e egoístas.

A união de muitos esforços coletivos que nem sempre são notícias e palco para aplausos, de um grupo que ainda se importa e mesmo com todos os obstáculos, faz acontecer. A Semana Euclidiana, em meu ponto de vista, é uma prova de resistência em um tempo que recursos para cultura e educação são interpretados como gastos e não investimentos, que deveriam ser pilares para a busca de uma sociedade melhor e mais consciente de sua própria História.

É quase impossível determinar apenas uma Semana Euclidiana como a melhor, mas a junção de momentos inesquecíveis ao longo destes 14 anos de participação me permitiu um relicário de boas e eternas lembranças. Entretanto, ter ocupado o espaço como o mais jovem orador da história na Abertura Oficial durante a Semana Euclidiana do ano de 2018, e externar minha gratidão e trajetória, por protesto e adoração, foi uma experiência marcante e inesquecível.

Tive a honra de conhecer e ter sido aluno-maratonista de grandes mulheres e homens que protagonizaram a história da Semana Euclidiana. Muitos deles hoje nos assistem dando sequência aos seus sonhos e projetos. Destes, memoráveis mestres e notáveis euclidianas e euclidianos, há uma pessoa de voz suave e versos intensos, coração bondoso que acolhe como mãe, ensina como mestre que nasceu para ser e encanta, em poesia e prosa, pelo talento que tem. Professora Maria Aparecida Granado Rodrigues ou simplesmente Professora Cidinha, que desde minha primeira Semana Euclidiana disseminou, de forma clara e objetiva, como era e funcionava aquele universo, ou se ama ou se detesta. Fui contagiado e encantado, queria fazer o mesmo, sem ainda saber que neste universo encontraria amigos-irmãos, uma família (Família Onço) e a oportunidade de a cada agosto, começar tudo de novo, como eterno-maratonista.

Confira também

Prefeito é denunciado por suposta propaganda eleitoral irregular

Denúncia afirma que parte das postagens não menciona quem está financiando Conteúdo acessado às 15h14 …

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *