Estudos continuam para avaliar se a mutação é tão perigosa quanto a variante indiana
O surgimento da variante P4 do novo coronavírus no interior de São Paulo, especialmente na nossa região, aumentou a preocupação das autoridades sanitárias em relação às medidas para conter o avanço da doença entre a população. Inicialmente houve divulgação de que os casos seriam em Mococa, entretanto, reavaliadas as análises, constatou-se que ela se disseminou por vários municípios, inclusive São José do Rio Pardo.
Nesta sexta-feira (28), a Rádio Difusora e Gazeta do Rio Pardo conversaram com o pesquisador da Unesp de Botucatu e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Virologia, professor João Pessoa Araújo Júnior, responsável pela descoberta da variante P4. Ele diz que ainda está sendo levantada a letalidade da variante, contudo, ela é tão contagiante quanto a versão indiana.
Acompanhe a seguir alguns trechos da entrevista, que vai ao ar na íntegra nesta segunda-feira, no Jornal do Meio Dia, na Difusora FM 107,3.
Rede de laboratórios
“O vírus vai sofrendo mutações automáticas, aleatórias, essas mudanças podem ser ruins para ele, mas se ocorrer uma mudança que é benéfica, daí a pouco ele vira milhões. É como se fosse ganhando armas para atingir a nossa célula”, começou explicando, havendo detalhado que as mutações fazem parte do ciclo de vida dos vírus e com o SarsCov-19 isto tem ocorrido normalmente.
De acordo com o professor, desde março do ano passado, após projeto aprovado junto ao Ministério de Ciências e Tecnologia, os pesquisadores passaram a se mobilizar para acompanhar as mudanças do coronavírus. “Fizemos uma rede de laboratórios pelo Brasil, já somos em 14 laboratórios que vêm monitorando desde dezembro, foi justamente a época em que começaram a aparecer a variante britânica, a P1, a da África do Sul”, disse, explicando ainda que os estudos foram enfatizados a partir de fevereiro.
A descoberta da P4
“A gente ia estudar como estava a circulação das variantes na região de Araraquara. Só tinha praticamente a variante P1, um pouquinho da variante britânica e um pouco da variante P2”, continuou o pesquisador.
“Chegou em março, decidimos estudar Porto Ferreira, de onde havia várias amostras. Uma chamou a atenção pois tinha uma mutação muito importante da Califórnia, a L452R e ela caracterizou um novo vírus. E aí concentramos mais ainda os estudos em Porto Ferreira”.
Com o aumento dos estudos em amostras das cidades pertencentes à região de Araraquara. “Foi aí que a gente buscou em todos os dados as sequencias que tinham essas mesmas mutações, e encontrou em Itirapina, Mococa, São José do Rio Pardo entre outras cidades, que estavam no banco de dados mas não haviam sido observadas. A frequência estava aumentando. Aí fizemos a proposição de uma nova nomenclatura, submetida aos critérios de aprovação, e agora, na terça-feira ela recebeu o registro de P4”.
Ministério da Saúde foi alertado
Ele destaca que a demora entre a identificação e o registro é um procedimento normal, pois a questão é tratada com cuidado.
“O que subsidiou a nossa proposição foi o encontro dessa nova variante em várias cidades, não estava num ponto único”.
João Pessoa destacou que o comportamento da variante ainda está sendo estudado, o que é um anova fase da pesquisa. Observou que ainda é prematuro dizer se a P4 é mais transmissível, se causa uma doença pior.
“A estratégia de evitar a transmissão é a mesma. Máscara, distanciamento físico, todas as medidas. A gente tem que evitar a disseminação das variantes. Isso não aconteceu com a P1. Ninguém fez um trabalho para evitar a disseminação. A gente está vendo uma movimentação para evitar a disseminação da indiana. Não conhecemos o comportamento da P4 e também tem que haver um trabalho mais intensivo na região”, recomendou o pesquisador, durante a entrevista.
O comunicado da possibilidade de haver uma nova variante no interior, segundo explicou João Pessoa, foi feito ao Ministério da Saúde em 5 de maio.
P4 desde de fevereiro
Ele diz que o aparecimento de uma nova variante está relacionado à alta taxa de transmissão. “Quanto mais pessoas são contaminadas, mais probabilidades o vírus tem de sofrer mutações, para se adaptar a novas células. Enquanto a gente não diminuir a transmissão isso vai acontecer naturalmente”.
Ele observa que o fato de ter detectado a P4 no interior do Estado de São Paulo se deve à vigilância maior do grupo de pesquisa. “Agora as pesquisas estão sendo concentradas na região de fronteira de Minas Gerais. Não foi feita uma vigilância. A amostra mais antiga é de 17 de fevereiro”.
De acordo com o pesquisador, a variante P4, identificada nas cidades da região, apresenta a mesma mutação da variante da Índia e outra da Califórnia, ambas consideradas de grande preocupação. “A região de São José do Rio Pardo, praticamente tínhamos só P1, agora temos a britânica também em menor proporção, e agora vamos ver qual efetivamente será o comportamento dessa P4”.
Aumentar a prevenção
O virologista alerta que, como a P4 ainda é desconhecida, os cuidados de prevenção precisam ser ainda maiores. “A gente não conhece, tem que tratar com maior segurança. Por isso as medidas de isolamento, máscara, precisam ser exacerbadas. Tomar mais cuidado ainda para diminuir a transmissão dela”, recomenda.
Ele destaca que neste momento, o achatamento da curva precisa ser feito novamente para que se aguarde a vacina. “É muito melhor pensar numa vacina do que pensar num leito de hospital”.
Com a divulgação da nova variante, a pesquisa entra em novas fases. Uma delas será para avaliar se a P4 influenciou o aumento dos óbitos nos meses de abril e maio. Em outra, começam a ser levantadas a eficácia das vacinas contra a nova variante.
“A partir do momento em que respondemos uma pergunta, ganhamos várias outras. Se é mais transmissível, se causa lesão mais grave no paciente e, será que a vacina vai proteger? Agora essa vigilância tem que ser intensificada”, comentou, destacando que as pesquisas requerem bastante investimentos e recursos financeiros para serem continuadas.
Outras pandemias
“Esse planeta pertence aos vírus. Quando eles têm o homem como alvo para sobrevivência, vão se adaptando, se moldando. O coronavírus não era o principal vírus de preocupação até um ano e meio, era o vírus da gripe”, diz o professor João Pessoa.
“Existem outros vírus importantes que estão aí no planeta se adaptando, melhorando a sua transmissão. Quanto mais a gente entra no habitat de novos vírus, em cavernas, matando e comendo animais selvagens, a chance de encontrar novos vírus é muito alta. Quando o hospedeiro é o homem, tá aí o exemplo claro do que aconteceu”.