quarta-feira , 1 maio 2024
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Jefferson Rueda, o reinventor do porco (final)

Jefferson Rueda, o reinventor do porco (final)

A Casa do Porco começou a ser gestada. Adrià deu o empurrão que faltava. Durante o processo de abertura da casa, as memórias de infância e adolescência, vividas à beira do rio no interior, na horta da família, vieram à

tona de forma intensa e inspiradora. De cara, Rueda se lembrou de Xodó, o bezerro de estimação criado com devoção e carinho pelo seu irmão, que escapou do fogão, mas não de um caminhão de boi, que o atropelou durante

uma escapada do rancho. “O meu irmão tinha paixão pelo Xodó. Dava até banho com sabão de coco no bicho”, conta. “Eu tive aquela infância que todo garoto sonha em ter, tomando banho de rio, comendo fruta do pé,

absolutamente livre. Até a obrigação era uma terapia para mim: cuidar da horta da família.”

Com os pais, José e Carmen, donos de um rancho, Rueda aprendeu o valor dos alimentos, a conter qualquer forma de desperdício. “Uma vez eu e meu irmão começamos a jogar laranja um no outro. O meu pai chegou e acabou com a festa: ‘Vocês só saem daqui quando chuparem todas as 30 laranjas que estragaram’.” Sermão que Rueda transformou em profissão de fé e que explica a obsessão em aproveitar todas as partes possíveis do porco, do focinho ao rabo, como matéria-prima para as suas combinações.

Influenciado pela avó materna, Dona Cida, uma cozinheira de mão cheia que vivia da gastronomia, vendendo de bolacha artesanal a sofisticados tabules, Rueda começou a se interessar por gastronomia. No início, só bateu cabeça.

O pai quis testar os conhecimentos do filho e pediu que fosse ao açougue comprar 5kg de picanha. O aprendiz de cozinha voltou com 5kg de coxão duro. Ao comprar gato por lebre, tomou nova bronca do pai. “Resolvi que eu ia aprender na marra, trabalhando de graça no próprio açougue. Só tinha 14 anos. Essa foi minha escola.”

 

Em Paris

Após aprender as técnicas de corte, Rueda formou-se chef pelo Senac, em um convênio com a Culinary Institute of America. Decidido a aprender na prática os segredos da alta gastronomia, rumou para Paris com apenas US$ 400 no bolso. Entre o estágio no Apicius, tradicional restaurante francês, e os estudos no Le Cordon Bleu, não sobrava tempo para mais nada. “Foi difícil. Para suportar a saudade do meu país, comia queijo e bebia vinho sem parar. Eles foram o meu Lexotan.”

Tanto esforço valeu a pena: durante 20 anos, Rueda ganhou notoriedade trabalhando nas cozinhas do Parigi, Pomodori e Attimo. Recebeu prêmios de revistas especializadas, mas nunca se deslumbrou com as honrarias. Hoje em dia é difícil tirá-lo da cozinha da Casa da Porco. “Prêmio não enche barriga de ninguém. E, além do mais, dependendo da premiação, tenho que pagar o hotel, o avião, e perco um dia de trabalho”, diz Rueda, enquanto abre um sorriso para o repórter ao ver o garçom servir a obra-prima de seu

restaurante: o Porco San-Zé.

Apesar das referências brasileiríssimas, de fazer questão de não renegar o forte sotaque interiorano nas suas receitas, Rueda reconhece que a sua passagem por restaurantes sofisticados e a oportunidade de estudar e

trabalhar com grandes chefs da cozinha internacional o ajudaram a ter uma visão menos provinciana e mais abrangente da gastronomia.

A decisão de subverter, por exemplo, a tradicional receita do Porco à Paraguaia passa por aí. Ele cita como grande mestre o francês Laurent Suaudeau, radicado há anos no Brasil, com quem estagiou antes de ir para o Pomodori. “O Laurent me ensinou que é possível valorizar a matéria-prima brasileira e, ao mesmo tempo, fazer uma comida contemporânea, sintonizada com os novos

tempos”, diz.

O repórter pede uma Coca-Cola Zero. Rueda estranha. “Não quer um pouco de cachaça?”, diz, deixando o balcão para entrar na cozinha. Lá de dentro, o chef faz um novo aceno para que o repórter o acompanhe. Numa espécie de

cozinha-frigorífico, há três enormes porcos pendurados de cabeça para baixo. O chef bate com as mãos na barriga de cada um dos bichos, orgulhoso. “Veja que maravilha: um porco mais lindo que o outro.”

 

Cachaça e esposa

De volta ao balcão, com garrafas de cachaça de uma marca de São José do Rio Pardo, Rueda diz: “Essa cachaça é para beber e depois entrar no banho. Se você fizer isso todo dia, nunca mais briga com a esposa”.

Sua relação com Janaina é a melhor possível, diz. E não se deve apenas pelas pequenas doses diárias de cachaça. Os dois se ajudam mutuamente. Sempre que pode, ela está na Casa do Porco dando uma força. Jeffim faz o mesmo no Dona Onça, quando solicitado. Ele tem precisado mais de ajuda do que ela neste ano. Rueda abriu dois novos empreendimentos, também na região: a casa de cachorro-quente Hot Pork e a Sorveteria do Centro. “Quero acabar com esse mito de que não é possível comer algo que não faça mal gastando pouco”, diz.

Na Hot Pork, que funciona desde o começo do ano, com R$ 15 é possível comer um cachorro-quente sem conservantes e corantes, com uma salsicha saída diretamente da cozinha de Rueda e ketchup de maçã e especiarias, mostarda fermentada com tucupi e maionese e picles de cebola roxa. Há também a versão vegana.

Já na Sorveteria do Centro, inaugurada em maio, o conceito é parecido: sorvete natural, sem conservantes ou aditivos, servido a R$ 8 a bola. Rueda orgulha-se de poder servir o melhor com um preço acessível, algo que ele, antigo frequentador do centro, sentia falta. “Com todo respeito pelos comerciantes da região, mas pelo mesmo valor eu sirvo algo que não é uma bomba calórica, cheia de conservantes, que vai fazer um mal danado”, diz. “Meu prazer está nisto: fazer com que a pessoa que frequenta o centro e precisa matar a fome, ou que não tenha muito tempo, possa consumir algo mais saudável e saboroso, sem pagar a mais por isso.”

A conversa é encerrada com a chegada de um morador de São José do Rio Pardo, que viajou a São Paulo com a família só para provar do porco preparado pelo ilustre conterrâneo. Rueda empolga-se ao saber a origem dos novos clientes e propõe, levantando a garrafa de cachaça, um brinde ao “povo do interior”. Todos brindam, menos o chef, que apenas ergue o copo e o leva à boca, vazio. Ele pisca para o repórter. “Daqui a pouco tenho um porco de mais de 100 kg para desossar. Se eu beber um gole disso aqui, eu ‘tô na roça’.”

FOTO

Jefferson e a esposa Janaina, companheiros em casa e no restaurant

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