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Centro Terapêutico Crescendo recupera 65% dos dependentes

Segundo uma pesquisa realizada recentemente pela Fundação Oswaldo Cruz, 3,5 milhões de brasileiros disseram ter consumido drogas ilícitas. Conforme registrado em um relatório mundial, o uso dessas substâncias está se tornando um enorme problema para a saúde pública. Além disso, a ONU divulgou um relatório que aponta que 35 milhões de pessoas no mundo sofrem de transtornos decorrentes do uso de drogas e necessitam de tratamento.

Com base nessas informações, a Gazeta do Rio Pardo procurou o Centro Terapêutico Crescendo, para conhecer a rotina, as dificuldades e o tratamento oferecido para os dependentes químicos.

Gustavo Magalhães de Andrade Castro é sócio proprietário, terapeuta holístico e conselheiro em dependência química e aconselhamento familiar do Centro. Ele explicou sobre as diferenças entre as internações voluntárias e involuntárias.

Gustavo Magalhães de Andrade Castro é sócio proprietário, terapeuta holístico e conselheiro

“O paciente voluntário, como o próprio nome já diz, é aquele que enxerga que sua vida perdeu o controle, por causa do uso de drogas. Desde o álcool, a maconha, até as drogas ilícitas mais graves. Esse paciente identifica o problema, entra em contato com a gente, e iniciamos o processo de tratamento”, afirma.

“Quanto ao paciente involuntário, já estamos adaptados a fazer esse tipo de internação, mas por enquanto só temos os voluntários aqui. Mas a internação dos involuntários funciona da seguinte forma: todo parente consanguíneo, de primeiro grau, pode solicitar a internação, constatando que ele está correndo risco de vida, ou causando risco a outras pessoas por causa do uso de substâncias. Com isso, a família pode entrar com o pedido de internação. Essa solicitação é feita primeiro através de um encaminhamento médico. Mas é importante sempre deixar claro que a internação é a última opção”. “Sempre são tentadas várias opções de tratamento antes da internação em si. Depois do encaminhamento feito pelo psiquiatra, temos 72 horas para dar entrada no Ministério Público, caso contrário a clínica pode ser acusada de cárcere privado. Trabalhamos com pacientes maiores de idade do sexo masculino. Essa norma de tratamento de dependência química é muito detalhista. Se fosse um lugar que acolhesse menores de idade, teria que ter normas totalmente diferentes e não poderia ter maiores junto”, explica o terapeuta.

Tratamento

“O dependente químico chega movido pela parte física da doença, que é a compulsão. Por exemplo, mesmo que a pessoa não queira usar a substância, o organismo a força a fazer isso, e ela acaba usando. Eles chegam nesse estado. De início, o que buscamos fazer com o paciente, é adapta-lo ao ambiente, aos horários, a nova casa, que é o que o Centro Terapêutico será para ele por um período. A primeira parte do tratamento é a adaptação. Damos uns dias para o paciente descansar, ver como acontece o cronograma da clínica para depois ele começar a participar”.

“O cronograma começa às 7h00 e vai até as 22h00. Não podemos deixar o dependente ocioso (desocupado), se não a cabeça dele fica muito confusa. Então eles acordam às 7h00, tomam um café preto, fazem uma oração e vão para o momento de espiritualidade. Não pregamos nenhum tipo de religião aqui, mas para a recuperação é necessário que a pessoa acredite em um poder maior do que a própria vontade. Recebemos várias igrejas de designações diferentes, evangélicas, católicas, pessoas espíritas vêm aqui para poder trazer uma mensagem de luz, amor e esperança aos pacientes”. “Logo depois, tomam um café da manhã reforçado e iniciam a laborterapia, que serve para ensiná-los a usar o trabalho como uma terapia, porque muitos deles estavam lá fora com a vida totalmente desregrada de horário, trabalho e responsabilidade. Então damos a eles as responsabilidades como arrumar a própria cama e varrer o quarto. Cada um cuida de um pedacinho de onde mora pra deixar o ambiente organizado”.

“Depois disso, tem a reunião do ‘Só por hoje’, que é uma literatura dos narcóticos anônimos. Ela tem uma mensagem a cada dia, em cima do programa de recuperação. É feita uma palestra, um bate-papo com eles antes do almoço. Logo depois que almoçam eles têm o horário de descanso até mais ou menos 13h30. Depois eles despertam, tomam um cafezinho, porque gostam muito de beber café, e na parte da tarde tem uma reunião por dia, como palestra com psicólogo, coisas desse tipo, que é a terapia em grupo, onde interagem e colocam as dificuldades para fora”.

“Após essa reunião, tem o tempo livre, pra quem gosta de tomar banho de piscina, jogar futebol, xadrez, baralho, ouvir música. O lazer faz parte da recuperação, para mostrar que eles têm uma qualidade de vida, que vivem bem sem ter a necessidade do uso de droga. Depois do tempo livre eles vão para o banho, um em cada quarto, e depois vão jantar. Após o jantar deixamos livre. Temos a TV por assinatura que tem todos os canais, eles veem filmes, luta do UFC, e estouramos pipoca para que seja um momento de confraternização”, conta Gustavo.

Vício

Segundo o terapeuta, a primeira coisa que é esclarecida para as famílias e para os próprios pacientes, é que a doença não tem cura. “Ela é diagnosticada pela OMS( Organização Mundial da Saúde) e não tem cura. Mas pode ser controlada. O único jeito de controla-la é a pessoa se manter abstinente. Então o paciente vem pra cá, vai passar por crises de abstinência, onde aqui não tem droga, então ele não vai usar. Nessa abstinência vamos quebrar a parte compulsiva da doença. Nas terapias com psicólogos, nas conversas e nos grupos de ajuda, vamos trabalhar a parte mental, a obsessão. Porque a pessoa fica obcecada, tem aquela ideia fixa de usar a droga e não consegue pensar em outra coisa. Na parte espiritual da doença, que é o total egocentrismo, porque a pessoa só pensa no benefício dela mesma, nós procuramos colocar a espiritualidade, um Deus na vida delas. Mas nada disso vai adiantar se a pessoa decidir experimentar de novo”, completa.

“Existem pessoas que podem beber de forma social, e até que usam droga socialmente, só que para algumas pessoas isso se torna um problema, onde ela perde o controle total da sua vida. Para elas, uma gota já é muito. Por isso deixamos claro que não tem cura, porque a pessoa nunca mais poderá ingerir álcool, ou substâncias que alterem o humor dela, caso contrário, vai despertar tudo aquilo que tinha dentro dela, que adormeceu, e ela vai voltar ao fundo do poço como estava antes”, afirma.

‘Droga é tudo o que altera a mente ou humor da pessoa’

“Não costumamos descriminalizar as drogas. Droga é droga. Por isso sempre deixamos muito patente isso para eles. Qualquer substância que altere a mente ou o humor é droga, porque eles costumam minimizar muito o uso. Muitas vezes coloca-se o crack como sendo o grande vilão da história. Então a pessoa pensa que o crack ela não pode usar, mas a maconha pode. Mas não, é droga também. Hoje em dia vemos muita destruição por causa da maconha, por incrível que pareça. Casos de meninos novos com início de esquizofrenia por causa do uso da maconha”, prossegue.

“Os pacientes que temos acolhidos aqui, que são alcoolistas, passam por bastante dificuldade. O processo de abstinência do álcool é muito doloroso para eles. Tem delírios, tremem, não tem apetite, não conseguem comer. Muitas vezes essa substância é menosprezada, mas o álcool é um dos grandes vilões, judia bastante. Eles chegam muito acabados com a saúde física, o psicológico. Eu não caracterizo que exista uma droga em si que é pior, nesse pacote cada uma com sua dificuldade especifica. O crack, por exemplo, é mais difícil tratar nos primeiros dias, porque a abstinência aguda é muito mais forte. Já o alcoolismo é mais difícil tratar depois de uns 40 dias, porque depois de passar a fase do delírio, da tremedeira, ele já acha que pode começar a beber de novo. É uma droga que está em qualquer lugar, com 30 centavos a pessoa consome o álcool. Uma vez que ela se identifique dependente químico, não pode mais fazer o uso de nenhuma substância”, relata.

Motivo

Gustavo acredita que existam motivos para uma pessoa ir atrás do consumo de drogas. “A frustração é um dos grandes índices que leva a pessoa ao uso da droga. Costumamos falar que a grande dificuldade que eles tem, é a de sentir. A droga nada mais é do que uma fuga. No momento que o indivíduo está fazendo o uso daquela substância, ele deixa de sentir o que está sentindo. Raiva, vergonha, muitas vezes a busca pela aprovação de um grupo social. Vemos muito isso nos adolescentes que querem ser aprovados por aquele grupinho de amigos da escola, aí começam a usar pra poder fazer parte de algo, isso é muito latente. O começo geralmente é isso, começa por uma brincadeira, por ser legal, por ser gostoso, até que começam a vir as consequências ruins”, declara.

Contato com a família

As ligações para os pacientes são semanais, toda quarta-feira as famílias ligam para conversar com os internos, e as visitas são mensais.

Recuperação

“Aqui o paciente é conscientizado. O momento em que ele está pronto para deixar o Centro Terapêutico, é quando está consciente de que ele é alérgico a drogas. Temos uma grande equipe aqui, que vai desde o nosso médico, até psicólogos, nutricionistas, enfermeiras, e esses profissionais avaliam o período de cada paciente. Sabendo que a doença se difere de individuo, para individuo, o tempo de recuperação vai ser diferente também. Mas geralmente é um tempo máximo de 90 dias para deixar a clínica”, afirma o terapeuta.

 Efetividade

“Hoje estamos à frente de muitos lugares que trabalham com recuperação. Nos últimos dados que levantamos, tivemos um índice de 65% dos pacientes que saíram daqui e conseguiram se manter abstinentes. Isso está sendo um dado maravilhoso para nós”, conta.

Crescendo

Inaugurado em 2017, o Centro Terapêutico Crescendo atualmente conta com 21 pacientes. Segundo Gustavo, 400 pessoas já passaram pela clínica, que possui 11 funcionários. Além dele, Daniel Luís Magalhães Baptista, também é sócio do local.

Gustavo contou como decidiram abrir o Centro. “Eu sou dependente químico também, em recuperação hoje, e um dia eu precisei de um lugar desse. Mas não tinha. Do Rio de Janeiro fui parar em São Roque, interior de São Paulo, onde eu me tratei, e comecei a me interessar por essa área de terapia. Isso em 2010. Logo depois eu comecei a fazer cursos e a me especializar, e vim para Tapiratiba a trabalho. Eu trabalhava na clínica ‘Existir para a vida’ que hoje não existe mais. Quando a clínica se mudou para São José eu vim com eles. Um dia, meu primo Daniel, que morava em Goiânia, vendo tudo isso, me propôs de abrirmos uma clínica. Eu disse para ele que seria muito difícil, mas concordei”, narra.

“A nossa clínica é particular, a família dos pacientes paga um valor mensal, até porque não teríamos como oferecer uma estrutura de qualidade, sem ter uma renda. Hoje em dia é muito difícil para nós que trabalhamos com isso oferecer um tratamento de qualidade, com os impostos que são muito caros. A padaria Riopardense faz doação de pães todos os meses e o pessoal do Arroz Mateus vende o produto a preço mais barato para nós. Mas deixamos muito essa questão de ajuda para Comunidades Terapêuticas como a Pevi, que é um lugar gratuito. Como somos uma empresa particular, evitamos pedir doações”, afirma.

“A intenção do Centro Terapêutico Crescendo, de uma maneira resumida, é desmistificar a imagem que se tem das clínicas de tratamento, de maus tratos, de coisas desumanas, que realmente existem. Queremos mostrar a nossa imagem, um lugar bom, com bons profissionais, que realiza um trabalho sério, e que é diferente de tudo o que a mídia vem mostrando hoje em dia. Queremos fazer a diferença na vida dessas pessoas. Ser referência de amor, afeto, carinho e atenção ao próximo”, encerra Gustavo.

Horta cultivada na clínica
Pacientes durante oração
Campo de futebol
Equipe do Centro Terapêutico
Área de lazer
Vista da entrada da casa

Por Júlia Sartori

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