Papanicolau é o exame que mais contribui para evitar mortes, afirma Dr. Marcel Uchiyama
Sexta-feira, 28 de maio, foi o Dia Internacional de Luta Pela Saúde da Mulher. A data foi criada para chamar a atenção e conscientizar a sociedade sobre os diversos problemas de saúde e distúrbios comuns na vida das mulheres que, conforme dados do último censo do IBGE, representam 51% da população brasileira. Câncer de mama, endometriose, infecção urinária, câncer no colo do útero, fibromialgia, depressão e obesidade estão entre as principais doenças que afetam o sexo feminino. Esse quadro é atribuído em parte, a dupla jornada feminina: trabalho e atenção a família, fazendo com que muitas deixem, inclusive, de fazer os exames periódicos preventivos.
Marcel Uchiyama, médico ginecologista e obstetra especialista em uroginecologia, concedeu uma entrevista ao ‘Jornal do Meio Dia’, para falar sobre a Saúde da Mulher em um âmbito gera, e esclareceu algumas dúvidas frequentes.
Por qual razão o sistema público de saúde instituiu uma modalidade voltada exclusivamente às mulheres?
Marcel: A OMS já tem como dado, que a população feminina tem um risco social um pouco maior que a população masculina. Os índices de violência doméstica, de saúde ocupacional, são índices piores na população feminina. Esses fatores motivaram o Sistema Pública de Saúde a desenvolver uma Unidade de Saúde específica para as mulheres. Somado a isso, é uma forma que temos de unificar todas as fases da vida da mulher, desde a adolescência, da primeira menstruarão, o pré-natal, a gravidez, pós-parto e a menopausa.
Quais são as queixas mais comuns, reclamadas pelas mulheres em termos de saúde?
Marcel: As principais queixas são relacionadas a menstruação. Distúrbios menstruais são muito comum. Além disso, dor mamária, distúrbios sexuais, queixas e dúvidas de gestantes com relação a gravidez, e sobre a contracepção.
O SUS têm algum programa de conscientização sobre métodos contraceptivos?
Marcel: Temos um programa de conscientização das mulheres, especialmente sobre as contracepções de longa duração, que são os DIU´S, no caso do SUS. Toda vez que a paciente quer colocar um DIU (Dispositivo Intrauterino), ela passa pela consulta com a enfermeira, para orientar como funciona, depois passa com o médico para poder fazer a inserção. Além disso, os ginecologistas fazem a orientação dos principais métodos contraceptivos disponíveis.
Uma questão muito recorrente nessa área é quanto a demora para se conseguir um exame. A que se deve esse atraso?
Marcel: A demanda do sistema público de saúde é muito grande. Com o aumento da crise, principalmente gerada pela pandemia, houve um aumento na sobrecarga de exames, principalmente os de imagens, que são mais apurados. Quando temos algum caso que demanda extrema urgência, solicitamos o exame com emergência. Casos que não demandam extrema urgência, como dores pélvicas, sangramento, algo que não envolva uma doença que tenha risco de morte, os exames realmente podem demorar um pouco mais. Mas em linhas gerais, conseguimos manejar essa espera.
Diz-se que as mulheres cuidam mais da saúde do que os homens. Isso se deve a uma conscientização maior, ou em função da existência da Saúde da Mulher e não uma unidade de Saúde do Homem?
Marcel: As mulheres realmente se cuidam muito mais do que os homens. Acredito que isso seja algo cultural da mulher, sempre foi assim ao longo da história. Além disso temos a questão social de tabus. O homem é muito fechado. É difícil ele chegar no médico e descrever o que está sentindo, especialmente quando são queixas relacionadas a sexualidade. Isso é muito ruim, porque normalmente o médico vai diagnosticar esse problema no homem, seja ele um tumor de próstata, ou uma incontinência urinária, uma disfunção sexual, em um estágio bem avançado, quando já não tem mais o que fazer. Não acho que fazer uma unidade de saúde exclusiva para homens resolva. A questão é nós todos como sociedade civil, fazermos uma campanha de conscientização da saúde masculina, para que tenha um cuidado com a saúde. A consulta periódica com o médico é muito importante, mesmo que seja apenas uma vez por ano.
De que forma a pandemia tem impactado as ações de saúde da mulher?
Marcel: A pandemia tem afetado bastante. Diversos serviços de referência ou estão fechados ou com restrições de atendimentos, isso é um problema. Aqui dentro da cidade, mesmo que demore, conseguimos os exames, mas se depender do AME por exemplo, para alguns exames mais apurados, ou em caso das mulheres em cirurgias na Unicamp, como de endometriose ou serviços de oncologia, a situação se agrava um pouco mais. Tenho pacientes com endometriose que estão há mais de anos esperando uma consulta. Com a pandemia só vão remarcando, e infelizmente é uma doença que não conseguimos resolver aqui. Câncer de mama, de útero, colo de útero, são os mais graves, conseguimos encaminhar, mas não com a rapidez que esperamos que um caso como esses tenha. A burocracia aumentou um pouco. Para casos de dores crônicas ainda conseguimos, mas está complicado. Agora melhorou um pouco, mas estávamos tendo problemas com gestantes de alto risco, alguns casos mais graves que precisavam de uma avaliação na Unicamp por exemplo, estávamos tendo dificuldade com agendamento.
Existe uma polêmica com relação a vacinação em grávidas e puérperas, principalmente após a suspensão da AstraZeneca para este grupo. Existem riscos reais? O senhor é a favor da vacinação contra a Covid em gestantes?
Marcel: Quando começou a vacinação de gestantes e puérperas, era aberta a todas as vacinas, a AstraZeneca, CoronaVac e Pfizer. Depois surgiram eventos de tromboembólicos, como derrame e trombose, um em uma paciente do Rio de Janeiro e em outra do Canadá. Por conta disso, a Anvisa optou por suspender a AstraZeneca em gestantes. Isso gerou um grande medo na população. É importante deixar claro que não há estudos conclusivos informando que a vacina de Oxford é perigosa para gestantes. A Anvisa na dúvida, optou por suspender a vacina dessa marca até que os estudos conclusivos apontem a segurança ou não da vacinação. A princípio não se pode dizer que a vacina é insegura. As pessoas que não são gestantes devem se vacinar com essa vacina como com qualquer outra. Para se ter uma ideia, a própria gravidez para uma mulher sem doença nenhuma, aumenta o risco de trombose em mais de 40 vezes. É um risco muito maior do que tomar a vacina. As pessoas devem tomar a vacina, porque se contraírem Covid, a chance de ter trombose é muito maior do que com a vacina. As gestantes e puérperas tem um risco muito aumentado se contraírem Covid, tanto para evento tromboembólico como respiratório. Na minha opinião, assim que abrir a vacinação para todas as gestantes, elas devem sim ser vacinadas.
Como acontece a imunidade contra a Covid em bebês?
Marcel: Existem estudos observacionais que analisaram em outros países que algumas crianças nasceram com anticorpo contra Covid. Não é um estudo fechado, alguns falam que esses anticorpos maternos passam pela barreira da placenta e deixam o bebê imune, como se fosse um soro que garantisse imunidade por algum tempo. Alguns outros estudos dizem que o aleitamento materno também pode passar esses anticorpos para o bebê. Não é um estudo fechado, mas mostra mais uma vez a importância da amamentação. Não é só leite que sai da mãe, sai anticorpos, vitaminas, proteínas, muitas outras coisas.
De quanto em quanto tempo é recomendável que a mulher procure uma unidade de saúde específica para a saúde feminina?
Marcel: No mínimo uma vez ao ano. Existe um protocolo da saúde que fala que se a mulher tiver três Papanicolau seguidos normais, ele pode ser realizado a cada três anos. Mas isso não quer dizer exame ginecológico a cada três anos. Envolve outras coisas, o médico vai examinar as mamas para ver se não tem caroço, porque ás vezes a mulher não percebe. Vai olhar a vulva, para verificar se não têm lesões suspeitas, é uma rotina que precisa ser feita anualmente. Se a mulher tiver queixas, sangramentos, ela deve ir mais vezes ao ginecologista.
Muitas mulheres reclamam do aumento de peso após atingirem determinada faixa etária. Quais fatores colaboram com o ganho de peso feminino e o que isso pode desencadear em termos de problemas de saúde?
Marcel: Acredito que seja uma questão muito mais social e de hábitos. No século 20, por exemplo, o número de obesos no mundo era muito menor do que temos hoje. Sabemos que mais de 50% da população brasileira está encaixada no sobrepeso. A questão é muito mais relacionada a hábitos de vida, as facilidades do mundo moderno que nos permitiram nos deslocar cada vez menos, isso nos deixou mais sedentários. Atividade física é uma coisa que hoje em dia é pouco realizada, e eu entendo, porque as mães, mulheres em geral, tem dificuldade porque tem uma jornada dupla, muitas trabalham em casa, ou fora de casa, e precisam cuidar dos filhos e da família, o que dificulta.
A alimentação hoje em dia é baseada em produtos industrializados, processados. Depois que o bebê nasce, o corpo da mãe muda, aumenta um pouco mais as mamas, a gordura abdominal pode ficar maior, mas não acredito que isso seja responsável pela obesidade sozinha.
O exame Papanicolau é recomendado a partir de que idade? Qual sua função?
Marcel: Pelo o Ministério da Saúde, o Papanicolau deve ser realizado em mulheres à partir dos 25 anos assintomáticas. Se ela nunca teve nenhum problema de saúde e tem uma vida sexual ativa, deve ser à partir dessa idade. Fazemos três exames, se eles estiverem normais, passa a ser feito a cada 3 anos. É o principal exame de rastreio de câncer de colo de útero. No entanto, se ele vier alterado, não quer dizer que é câncer. Nesse caso outros exames serão feitos, e na maioria dos casos não é câncer. É o exame que mais impacta no número de mortes evitadas.
Estudos apontam que, entre os jovens de 14 a 25 anos, as mulheres têm duas vezes mais probabilidade de ter depressão do que os homens. Pode falar um pouco sobre isso?
Marcel: A mulher tem uma sensibilidade aos hormônios maior do que o homem, isso já se sabe na literatura médica. O próprio ciclo menstrual causa elevações e reduções dos hormônios ao longo do mês, e isso naturalmente gera uma labilidade, que é uma mudança no humor. Isso é normal na maioria das mulheres, umas tem um pouco mais outras menos. Mas a depressão em si, é uma doença multifatorial, tem sim a questão hormonal, mas geralmente junto com outras coisas, como componente familiar, social, ou é uma mulher que tem uma sobrecarga emocional muito grande, muitas mulheres são chefes de família, o que gera essa sobrecarga. Mulheres jovens sofrem mais de depressão, porque além de tudo isso, tem a ditadura da beleza, do Instagram, onde as mulheres veem as outras de biquíni, e idealizam que todas deveriam ter um corpo assim, o que é uma farsa. A juventude atual está sofrendo muito mais de depressão, bulimia e anorexia, potencializadas também pelas redes sociais.