“Pacientes com a peste eram jogados para fora das muralhas, contra exércitos inimigos, para infectar os soldados de outras nações”
No dia 29 de setembro, terça-feira, o infectologista Rafael Queiroz foi entrevistado pelo repórter Luis Fernando Benedito durante o ‘Jornal do Meio Dia’ da rádio Difusora, para explicar e contar as histórias sobre as pandemias mais marcantes que o mundo já enfrentou. As doenças abordadas foram a peste bubônica, varíola, cólera, gripe espanhola e gripe suína. O médico falou sobre sintomas, exames e tratamentos atuais.
Peste Bubônica
“Hoje em dia usamos menos o termo bubônica, porque ela foi uma das clínicas da peste, existem outras, como a pneumônica e septicêmica, que hoje é chamada de peste negra. A peste era uma infecção causada por uma bactéria, Yersinia pestis, que causava entre outros sintomas as bubas ou bubões, que eram lesos infectadas, drenando pus, daí surgiu o nome bubônica, que era a manifestação mais comum dessa doença”, disse.
“Na época basicamente não haviam recursos para a cura. Os pacientes mortos não eram sequer sepultados. Eram amontoados e jogados em valas comuns. Não havia antibioticoterapia, estamos falando de algo entre 1.340 e 1.350, há quase 700 anos. Algumas estimativas mais pessimistas indicam que morreram entre 150 ou 200 milhões de pessoas. A doença hoje felizmente é muito mais rara, mas existe”.b
“O contágio antigamente vinha essencialmente por contato com ratos. Vale lembrar que na época as cidades eram fechadas por muralhas e a população ficava confinada. Havia também a possibilidade de contágio por picada de piolhos, que são parasitas humanos. Na época, as medidas de higiene pessoal e saneamento básico eram muito inferiores a que nós temos hoje”, relatou Rafael.
“A maioria das pessoas que evoluíam para a cura da peste, apresentavam poucas sequelas, embora o número de óbitos era bastante elevado. A doença foi cessada depois de mais ou menos 15 anos de evolução, mas por conta da grande maioria da população ter sido exposta. Quem sobreviveu acabou gerando alguma imunidade e pelo próprio ciclo da doença a pandemia acabou cessando. Na época os pacientes com a peste eram muitas vezes jogados para fora das muralhas da cidade, contra os exércitos inimigos, na tentativa de infectar os soldados de outras nações. As medidas de isolamento como fazemos hoje, eram pouco utilizadas na época”, destacou.
“Hoje é uma doença de diagnóstico simples, é possível identificar a bactéria e os antibióticos são muito eficazes se forem instituídos de maneira rápida”, afirmou.
Varíola
“A varíola era uma doença infecciosa, causada por um vírus, o Orthopoxvirus variolae, que hoje existe em laboratório como potencial de arma biológica. Teoricamente não há casos de transmissão interpessoal desde 1977. Em 1980 a varíola foi declarada extinta. A chance de transmissão da doença era muito elevada, e era altamente inflamatória, gerando lesões na pele, nos pulmões. Tinha altas complicações cerebrais, pulmonares, até meningite por varíola, por exemplo”, contou.
“A varíola tinha transmissão aérea, por gotículas como espirros, tosses, contato próximo. Do paciente já doente, havia a possibilidade de transmissão pelas lesões de pele. Foi uma doença que causou muitas vítimas. A vacina ainda existe, mas hoje em dia não é feita de maneira rotineira por conta de não haver transmissão comunitária há quatro décadas”, disse Rafael.
Cólera
“Sua primeira epidemia global, em 1817, matou centenas de milhares de pessoas. Desde então, a bactéria Vibrio cholerae sofre diversas mutações e causa novos ciclos epidêmicos de tempos em tempos. A cólera existe em diversos países do mundo, e tem uma transmissão chamada fecal-oral. É transmitida através de alimentos, de água contaminada, através das mãos e pela ingestão da bactéria. É uma doença potencialmente muito grave, ela causa essencialmente um quadro de diarreia, muito acentuada, o paciente tem uma desidratação muita rápida, muitas vezes ele não consegue combater sem internação. Além disso a doença gera febre, vômitos, muita dor no corpo, inclusive com complicações neurológicas”, relatou o médico.
“Existe vacina contra a cólera, ela tem indicação quando o paciente tem previsão ou chance de exposição em áreas endêmicas. Não é uma vacina feita rotineiramente na rede pública, não é algo feito em todos os pacientes, mas existem pelo menos três vacinas licenciadas contra a cólera e que são feitas em diferentes posologias, algumas com duas, três e até quatro aplicações em tempos diferentes, para pacientes que serão expostos a áreas de transmissão da doença”.
“O Brasil tem casos de cólera, a América Central também é uma região bem acometida, Jamaica, Haiti, República Dominicana, são países essencialmente tropicais, de clima quente e úmido muitas vezes, e com baixo índice de saneamento. Com um ou dois dias de exposição o paciente acometido já apresenta sintomas, a cólera tem um período de incubação curto, evolui bem rápido. É possível fazer análise das fezes e até sanguínea do paciente”, disse.
“Uma maneira de evitar que essa doença atinja a população, é o saneamento básico. Tratamento de água e esgoto para evitar a contaminação de alimentos e consequentemente evitar que as pessoas se contaminem. Lavar as mãos é muito importante também”, concluiu.
Gripe Espanhola
“Alguns autores definem como a pior pandemia de todas, em número de vítimas é algo pareado com a peste, mas já consideramos uma pandemia da era moderna, que foi em 1918 e 1919. Apesar do nome, de espanhola ela não teve praticamente nada. A maior parte dos estudos mostra que ela surgiu em um forte militar, no Kansas, nos EUA. Estamos falando do fim da 1ª Guerra Mundial. Era uma política comum, tanto nos EUA como na Europa, não divulgar esses casos no sentido de não alertar a população e não enfraquecer os soldados. A imprensa era muito coibida de comentar a respeito disso. A Espanha não participou da 1ª Guerra, era um país neutro até o momento e a imprensa espanhola tinha liberdade para divulgar sobre a doença. Acabou ficando o nome gripe espanhola”, explicou.
“Como o próprio nome diz, é uma gripe, veio do vírus influenza H1N1, que com algumas mutações surgiu como gripe suína em 2009. Não é o mesmo vírus geneticamente falando, mas é muito semelhante. A gripe espanhola atingia pacientes jovens e saudáveis, muitos soldados, geralmente pacientes no auge da forma física e mesmo assim fez muitas vítimas jovens. Provavelmente um vírus com maior capacidade de causar a doença do que o que tivemos em 2009”, contou.
“Os sintomas eram exatamente como um quadro gripal. Desconforto respiratório, tosse, febre, dor de cabeça, dor no corpo. Mas ela tinha mais complicações na época, como encefalites, pneumonia. A transmissão é por via aérea assim como a varíola”, afirmou Rafael.
Gripe Suína
“O nome surgiu porque o vírus infectava essencialmente porcos. Os tratadores desses animais acabaram sendo as primeiras vítimas. Isso é muito comum do grupo influenza, não só do H1N1. Muitas vezes esses vírus vem de outros animais de criação humana ou até animais silvestres. Na maioria das vezes nesses animais, o vírus não causa a doença clínica, por conta do metabolismo, dos hormônios desses animais, do sistema imunológico, o vírus não é capaz de causar doença clínica com sintomas”, comentou.
“Assim como a gripe espanhola, a suína tem quadros gripais. As principais complicações são respiratórias, embora possa haver lesões em outros órgãos. Por conta das mutações frequentes as vacinas são feitas baseadas no vírus isolado, de um a dois anos antes, para que sejam compostas das proteínas desse vírus para que possam gerar imunidade”.
Coronavírus e H1N1
“Conhecemos menos o coronavírus pelo tempo que ele está em ação, mas ele tem mostrado complicações sistêmicas, não só pulmonares. Já se comprovou em todos os órgãos que ele pode gerar lesão, e aparentemente o coronavírus tem uma capacidade maior de deixar sequelas, mesmo o paciente curado apresenta alguns desconfortos. O H1N1 não deixa sequelas como o coronavírus. Do ponto de vista genético, o Sars-Cov 2 e o H1N1 são diferentes. Já do ponto de vista clínico, eles tem semelhanças na complicação do sistema respiratório. Ambos são semelhantes a um quadro gripal. O tratamento dos dois vírus é distinto”, afirmou o médico.
Cloroquina e Invermectina
“Infelizmente, não há, até o momento, nenhuma medicação que se provou realmente eficaz no combate à Covid19. Em alguns casos, especialmente em pacientes internados e com quadros graves, a corticoterapia (como a Dexametasona) pode ser benéfica, além da anticoagulação, também em casos selecionados. Todavia, não podemos dizer, até o momento, que exista uma medicação comprovadamente eficaz e que funcione para toda a população. Assim, a única saída continua sendo evitar o contato social desnecessário para conter o avanço da pandemia”.
Testes para detecção da Covid
“O teste padrão-ouro para detecção do coronavírus é o PCR, colhido através do swab (cotonete) de nariz e garganta, e que deve ser colhido no máximo até o 7º dia de sintomas. Ele detecta o vírus propriamente dito, e indica doença em atividade. Outros exames são realizados no sangue, devendo ser colhidos após o oitavo dia, preferencialmente; esses exames mostram se o paciente formou anticorpos contra o vírus, ou seja, se está imunizado contra a doença, embora isso não signifique, obrigatoriamente, que o paciente está livre dos cuidados como uso de máscaras e higiene de mãos, que devem ser mantidas”, concluiu.
Por Júlia Sartori