Inalação de corretivo escolar pode causar câncer

Substâncias presentes no produto podem causar irritação no sistema respiratório entre outras complicações

Nos últimos meses têm circulado com frequência nas redes sociais vídeos de crianças e adolescentes cheirando pó de corretivo em sala de aula, em forma de trend (tendência). A ação visa simular o uso de cocaína, o que muitos consideram algo “descolado”. É importante que os pais e professores fiquem alertas a esse tipo de atitude, pois ao inalar o corretivo, os adolescentes podem ser afetados por algumas substâncias prejudiciais à saúde que fazem parte da composição química do produto.

Essa semana o jornal entrou em contato com Rildo Melo, técnico em química, graduado em Biologia e pós graduado em Farmácia, para explicar sobre o risco ocasionado pelas substâncias presentes no corretivo.

Ele observa que cada corretivo tem uma composição química, mas geralmente a maioria deles tem o dióxido de titânio – que dá a cor branca, e um solvente chamado diclorometano.

“O dióxido de titânio está na lista dos possivelmente carcinogênicos, ou seja, pode causar câncer, e o diclorometano, se a pessoa entrar em contato com ele todos os dias, pode causar irritação no sistema respiratório, na mucosa nasal, no pulmão e acabar desenvolvendo rinite e sinusite”, informou.

Os problemas não param por aí. Rildo explicou que o contato intenso e frequente com o diclorometano pode atingir até mesmo o sistema nervoso e o fígado. Além dessas duas substâncias citadas pelo profissional, o corretivo possui muitas outras.

“É um ato perigoso e ruim, que não remete a nada saudável. Apesar do corretivo não ser algo que desrespeite as leis, estão fazendo alusão a cocaína”.

Psicóloga comenta o caso

A psicóloga Alessandra Torres analisa os motivos que levam crianças e adolescentes a fazerem esse tipo de “brincadeira” prejudicial à saúde. 

Há muitos relatos de que adolescentes de maneira geral, estão inalando pó de corretivo para fazer uma simulação do uso de cocaína. Por que nessa fase da vida, os jovens se sentem descolados com esse tipo de atitude?

Alessandra: A adolescência faz surgir a necessidade de uma busca de figuras de identificação fora do âmbito familiar. Assim começa uma verdadeira socialização num caminho que leva ao sentimento de individualidade. Nessa etapa de vida, existe uma angustia muito grande que é a perda das referências familiares em detrimento de várias situações a que o meio social lhe expõe.

Existe uma confusão de papéis, esse adolescente não é mais criança e ainda não é adulto, a adolescência é uma longa transição para a vida adulta.

Há um processo de busca de independência que gera medo, confusão e insegurança, o que faz com que o adolescente busque o apoio do grupo, onde ele coloca a sua confiança para enfrentar esse período de transição. Essa adesão a grupos é importante para o estabelecimento de uma identidade adulta, pois facilita o distanciamento saudável dos pais, permitindo novas identificações, que acontecem nos indivíduos desde a infância, mas, agora, não mais com as características infantis que lhes eram peculiares. Por identificação e busca de validação social, adolescentes se unem para enfrentar os desafios dessa fase rumo à vida adulta, sendo essas identificações positivas ou negativas.

Como os pais devem conversar com os filhos, caso descubram este tipo de comportamento?

Alessandra: Até o início da adolescência, os pais (familiares ou cuidadores de modo geral) costumam ser idealizados e supervalorizados pelos filhos. Isso é necessário para um desenvolvimento infantil adequado. A adolescência faz surgir a necessidade de uma busca de figuras de identificação fora do âmbito familiar. Assim começa uma verdadeira socialização num caminho que leva ao sentimento de individualidade. Porém, vale lembrar que o processo é difícil e angustiante para pais e filhos, pois há uma perda da identidade infantil.

Acredito que os pais devem procurar se informar sobre essa etapa que os filhos estão vivendo e saber como ela é, isso pode facilitar a compreensão que os adultos possuem dessa fase. Ao conviver com um adolescente, os adultos precisam sentir a necessidade de rever seu próprio comportamento, pois muitos conflitos surgem nessa época da vida.

A chave para lidar com os conflitos entre pais e filhos (as) adolescentes é a negociação e o diálogo para melhor compreensão do que está acontecendo e definição de limites saudáveis, com compreensão das suas necessidades do momento. De modo geral, a identidade adolescente é caracterizada por contradições na manifestação da conduta (não sabem muito bem o que devem fazer), seguindo o que para eles é mais próximo da sua realidade e o que é mais válido, ou seja, seguem o que faz mais sentido dentro da realidade que vivem, dentro deste momento conturbado. Punir apenas, sem dialogar, não deve ser o melhor caminho.

Como prevenir ações tão prejudiciais?

Alessandra: Trazendo seus filhos para perto de vocês, ouvindo o que eles têm para contar, validando e avaliando os seus comportamentos com cuidado antes de tomarem atitudes punitivas. Sempre tendo bastante diálogo, sem tabus, falar sobre os efeitos desse comportamento e quais as possíveis consequências dele. Esse modo de prevenção é importante para dar a outra versão da situação e ajudar a pensar sobre o que é bom ou ruim ou o que está ou não de acordo com os valores instituídos pela família.

Como atitudes assim pode prejudicar o comportamento futuro desses adolescentes? Há maior risco de envolvimento com drogas?

Alessandra: Esses comportamentos podem ser prejudiciais para a saúde sem dúvidas, e para os valores de estruturação de sua caminhada até a vida adulta também. Se não houver diálogo, explicações, não há um entendimento sobre o porquê o adolescente não deve se comportar assim, como os seus amigos, seus pares, uma vez que a busca é de identificação e se ele se idêntica com os pares e não com a família, pode haver uma conduta problemática no desenvolver da estruturação psíquica nessa fase e seguir pela fase adulta.

O uso e abuso de drogas se dá por muitas variáveis, uma delas pode ser sim a influência do grupo de pares e a falta de orientação adequada.