Por Júlia Sartori
Com espetáculos baseados em temas sociais, o grupo apresentou “Todos os cachorros são azuis”, retratando a esquizofrenia
São José do Rio Pardo é um município privilegiado quando se trata de jovens talentos, principalmente no que diz respeito a área artística. A dança, especialmente, tem seu lugar reservado no coração da cidade. Mas você conhece o verdadeiro objetivo da dança? Há séculos, o povo primitivo iniciou a arte de dançar e a praticava em diferentes ocasiões: no período de colheitas, nos rituais aos deuses, na época das caçadas, nos casamentos, em momentos de alegria ou tristeza, ou ainda, em homenagem à natureza. Não é à toa que a dança é considerada a arte mais completa. Ela envolve elementos artísticos como o teatro e a música, sendo capaz de demonstrar as emoções mais complexas do ser humano. Dançar é expressar, desenvolver, criar, comunicar, tocar o outro. Acima de tudo, é sentir, capturar uma emoção para si, e despejar aos olhos de quem observa.
A companhia rio-pardense de dança Pérola Negra, é conhecida pela qualidade de seus espetáculos, e singularidade de suas coreografias, visando retratar a realidade e abordando na maioria das vezes pautas sociais. Igor Rafael Silvestre, conhecido como ‘Café’, diretor e coreógrafo do Pérola Negra, concedeu uma entrevista ao jornal e contou um pouco sobre a história, os objetivos, premiações, e dificuldades enfrentadas pela companhia durante o período de pandemia.
“O Pérola Negra surgiu no ano de 2000. A companhia foi criada para atender a necessidade do município em ter um grupo de dança. Na época, não existiam companhias, apenas grupos de axé, era um ritmo forte naquele período. Tinha muitas competições de dança na região, principalmente em São João da Boa Vista, que era uma cidade que tinha destaque nesse quesito. Inicialmente, a ideia do Pérola Negra era criar um grupo voltado para o jazz”, contou o diretor.
“O estilo do grupo é eclético, tínhamos o jazz, o ballet, e danças urbanas, mas o nosso forte sempre foi a dança contemporânea”, completou.
Público alvo
O Pérola Negra é direcionado a pessoas que querem se tornar bailarinos profissionais. Igor explicou que a companhia não é uma escola de dança, mas sim um grupo particular. “Para participar, ou o interessado precisa passar por uma seletiva, ou ser convidado. Os bailarinos precisam atender ao perfil do Pérola”, observa.
“Eu sempre avalio todos os bailarinos de São José, sempre fico de olho. Sei quem são, de onde vem, de quais estilos fazem parte. Às vezes alguns acham que não fazem o perfil do grupo, mas acabam se encaixando. Outras vezes, aquele bailarino que é considerado muito bom, acaba não se encaixando no perfil do nosso elenco”, revelou.
Premiações
Em apenas um ano, a companhia conquistou 380 prêmios em diversas categorias, em festivais espalhados por todo o Brasil, e também na Argentina. “Participamos do Fast Dance, em São José dos Campos, ganhamos premiações durante muitos anos lá, recebemos prêmios em Catanduva, fomos duas vezes participar em Festivais da Argentina, trouxemos premiações também de um festival de dança em Goiânia, foram nossas competições mais importantes”.
O Pérola Negra recebeu inúmeras premiações pelo país na categoria Melhor Grupo, Melhor Bailarino, Melhor Coreógrafo, Melhor Trabalho da Noite, Bailarino Revelação, entre outros. “Já conseguimos receber prêmios em todas as categorias existentes das competições”, destacou.
Dinheiro das premiações é investido na companhia
“Já conseguimos 380 prêmios em um ano. Chegamos a bater essa meta em 2012. Foi um ano que tivemos mais investimentos na companhia, e conseguimos participar de mais festivais. Hoje em dia, não temos nenhum patrocínio. Quando participamos de festivais, recebemos o dinheiro do prêmio, que fica para investirmos em outras competições e figurinos. Quando organizamos espetáculos, o dinheiro arrecadado fica para o grupo, o elenco não ganha nada, utilizamos para suprir as necessidades do Pérola Negra”, revelou o diretor-coreógrafo.
A maioria dos bailarinos do grupo não trabalha monetariamente com a arte. “Cada um tem seu emprego, alguns trabalham em lojas, outros em escritórios, apenas eu e mais um rapaz temos empregos relacionados a área artística”, afirma Café.
“Hoje em dia, o valor dos prêmios está alto, mas as inscrições também. Geralmente cada bailarino paga R$ 60,00 por inscrição, e o prêmio costuma ser de R$ 3.000,00. Mas temos os gastos com transportes, alimentação e a inscrição”.
Pandemia
O grupo ficou quase um ano sem ensaiar em razão da pandemia, e por dificuldades de logística. “A Laís Viana tinha cedido uma sala em seu estúdio para ensaiarmos durante a noite, estávamos usando o espaço antes da pandemia. Mas quando começou, em 2020, precisamos parar. Quando as aulas retornaram, ela ofereceu o espaço novamente para ensaiarmos, mas devido ao novo decreto municipal, não conseguimos utilizar pela divergência de horários. Agora, a Vanessa Paião, diretora de cultura, nos cedeu o espaço do andar de cima da Biblioteca Monteiro Lobato para fazermos nossos ensaios”.
Os bailarinos ensaiam de segunda e sexta-feira, no período noturno, após a jornada de trabalho de cada um.
“O maior desafio durante a pandemia é a arrecadação de dinheiro, porque não temos festivais físicos. Tinha alguns online, mas como trabalhavam pelo Proac (Programa de Ação Cultural), ou pela Lei Rouanet, não podiam dar premiação. Acabamos não participando porque a necessidade do grupo é essa. Se fossemos escolher, não trabalharíamos com festivais. Fazemos espetáculos para circulação, para apresentar na região. As competições para nós têm a finalidade de arrecadar dinheiro. Com a pandemia, sem conseguir arrecadar, optamos por sair do nosso espaço fixo de ensaios, que era no bairro Santo Antônio”, explicou.
Essência da dança
“Para cada pessoa, a dança chega de uma forma. No meu caso, ela me ajuda a evoluir, a entender as coisas. Quem é da arte em si, seja teatro, dança, tem uma sensibilidade diferente. Quem trabalha com arte, e a vive, sabe disso. A dança trabalha muita coisa, não é apenas o físico, mas sim a mente. Nós conseguimos entender as pessoas, ter empatia. Para montar nossos espetáculos, pegamos algo muito complexo, fazemos um laboratório em cima daquilo, e acabamos adquirindo uma sensibilidade por determinada situação”, comentou.
O Pérola Negra elabora seus espetáculos baseados em problemas sociais. No espetáculo “Todos os cachorros são azuis” (2010), o coreógrafo se inspirou no personagem Tarso (Bruno Gagliasso), da novela ‘Caminho das Índias’, que sofria com a esquizofrenia. “Era algo muito forte, pegamos aquilo, levamos para dentro da sala, fizemos um laboratório por meses para sair um trabalho. Tem toda uma pesquisa por trás. O Pérola transforma a realidade em arte. Pegamos a sensibilidade daquilo. Nós conseguimos entender quando vemos uma pessoa com essa doença tendo uma crise, por exemplo. A dança não é apenas movimento, ela é sensibilidade. Trabalho muito isso com os bailarinos. Antes de qualquer movimento, temos que tocar, saber abraçar, saber sentir”.
Igor falou sobre a importância da companhia de dança em sua vida. “Me abriu muitas portas, eu aprendi muito lá dentro. Hoje em dia trabalho na região, em Mococa, Caconde, Monte Santo de Minas. O Pérola me deu uma visão de como eu posso trabalhar em cada lugar. A Companhia me deu um leque muito grande de trabalhos. Sempre viajávamos muito, fazíamos as pesquisas, trazíamos tudo por escrito, estudávamos para fazer a dança. Eu aprendi muito. Em todos os lugares que executo meu trabalho, é tudo graças ao Pérola, ele me ensinou a viver isso. Eu não tinha um norte, mas fui colocado no caminho, e a partir dali fui me moldando. Realizo meus trabalhos fora, mas sempre seguindo a linha da companhia. Aprendi a viver na arte”, relatou o diretor, que trabalha como professor de dança em projetos sociais, e em uma escola de dança em Mococa
Falta investimento
Para ele, falta investimento na área artística em São José do Rio Pardo. “Muitos artistas já foram embora, viver a arte fora daqui. Tanto o pessoal da dança, quanto do circo, do teatro. Falta muito investimento. Poderíamos ter hoje um núcleo artístico muito bom aqui. Em São José, se você precisar de um bom bailarino, artista circense, ator, capoeirista, você acha. Temos pessoas muito boas. São José tem uma veia artística. Mas o investimento que me refiro, não é apenas da Prefeitura, porque hoje em dia temos leis e projetos que podem trazer verbas para acrescentar em arte e cultura”, finaliza.
Veja o vídeo da coreografia “As voltas que o mundo dá”: