terça-feira , 26 novembro 2024
Início / Brasil & Mundo / Açude mais antigo do Brasil vira ‘cemitério de cágados’

Açude mais antigo do Brasil vira ‘cemitério de cágados’

Pesquisadores se surpreenderam ao encontrar carcaças de apenas uma espécie de cágado

Morte de animais é apenas um dos efeitos da grave seca na região

Foto: Hugo Fernandes-Ferreira

O Açude do Cedro, localizado na cidade de Quixadá, no Ceará, é resultado de uma das maiores secas que o Brasil e o Nordeste já enfrentaram. Caminhando pelo local em dezembro de 2016, uma equipe de biólogos e estudantes registrou uma amostra do tamanho do impacto ambiental, sendo 439 carcaças de cágados, que possuem um casco mais achatado e o pescoço mais longo, sendo um réptil parecido com as tartarugas e jabutis.

De acordo com o biólogo Hugo Fernandes-Ferreira, professor de Zoologia da Universidade Estadual do Ceará (UECE), a descoberta é alarmante. “O número ainda está subestimado, pois muitos levaram carcaças para casa. É alarmante, pois encontramos apenas uma espécie de cágado (Phrynops geoffroanus), justamente a mais resistente, quando esperávamos pelo menos outras duas.”

História

Em 1877, uma estiagem que se estenderia por três anos motivou apenas no Ceará a retirada de 100 mil sertanejos do interior, rumo a Fortaleza. O imperador Dom Pedro II pediu então um estudo das melhores áreas para a construção de açudes.

Iniciado em 1890, o Açude do Cedro seria concluído 16 anos depois, já no período republicano, com cinco barragens que represam o rio Sitiá. Essa foi a primeira grande construção no Brasil envolvendo canais de irrigação.

Com capacidade para 125 milhões de m³ de água ou 50 mil piscinas olímpicas, o açude se integrou à paisagem local, em que se destaca a Pedra da Galinha Choca. Sendo um ponto turístico tombado pelo patrimônio histórico nacional, é usado nos dias atuais sobretudo para lazer. Porém, 140 anos depois (e uma seca de cinco anos consecutivos), o açude secou em setembro de 2016 – o que tinha ocorrido apenas quatro vezes: em 1930, 1932, 1950 e 1999.

Dimensão da seca

O Ceará entrou no quinto ano seguido com chuvas abaixo da média, sendo a pior seca em 100 anos, segundo a Fundação Cearense de Meteorologia. O resultado se vê no mapa dos açudes do Estado, em que todos os 136 estão com volume inferior a 30% da capacidade, e quase cem estão vazios. Com isso, a população e indústria já sofrem com restrições no abastecimento e taxas extras sobre o consumo.

Para o climatologista Alexandre Araújo Costa, da Universidade Estadual do Ceará (UECE), a situação combina fatores naturais e ação humana. Ele afirma que a seca recorde possivelmente está associada ao aquecimento global, mas também teve a influência do El Niño, fenômeno climático que costuma agravar o quadro no Nordeste por impedir a chegada de frentes frias à região.

O climatologista também critica a política de recursos hídricos do Estado, que para ele favorece grandes empreendimentos como termelétricas em detrimento do uso sustentável.“Há negócios com outorgas (declarações) indecentes, com algumas empresas autorizadas a usar água que abasteceria quase dois milhões de pessoas.”

Visão do governo

Procurado pela BBC Brasil, o governo do Ceará rebate e afirma que a “gestão eficiente e eficaz” da água permitiu, por exemplo, que a região de Fortaleza “não sofra problemas de abastecimento”. Em nota, a Secretaria de Recursos Hídricos disse ainda que a gestão conta com participação da sociedade e permitiu reduzir de 75% a 100% o uso de água nos principais vales irrigados do Estado.

Em relação às críticas, a pasta da gestão Camilo Santana (PT) diz que são autorizações de uso e que em “nenhum dos casos o valor outorgado é plenamente usado”. Afirma que a indústria usa apenas 2% da “disponibilidade hídrica” do Estado.

O açude do Cedro secou, avalia o governo, “pela falta de chuvas X evaporação”. A gestão também afirmou que, “em que pese sua inegável importância histórica”, o reservatório tem uso hoje apenas turístico. Enquanto a chuva não volta, a equipe de Hugo Fernandes-Ferreira no campus Quixadá da UECE continuará a analisar o “cemitério de cágados” do açude, recolhendo cascos e tentando entender o impacto sobre o ecossistema da pior seca em um século.

Fonte: BBC BRASIL.com

 

Confira também

Polícia abre inquérito para investigar Asilo Lar de Jesus

Entidade foi alvo de diligência nesta semana; medicamentos vencidos foram apreendidos no local No final …

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *