terça-feira , 26 novembro 2024
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Pedra e cebola

Íamos em cinco, os meninos, por um cebolal. Dezenas de ruas paralelas de cebola. De quando em quando, cortando o macio da terra, um cano de ferro, que trazia água do açude para aspergir na plantação. Cebola é produção de inverno, tempo de seca, e a água precisa chegar de algum jeito para que o fruto inche e se desenvolva.

Cebola não é muito chegada em encostas. Prefere os solos planos, inclinações mínimas e a companhia dos colonos que não têm medo de andar. Mas havia um pequeno morro ao fim da plantação e nele subimos para admirar o panorama. Escalamos então uma pedra para descansar. A pedra estava quente de sol. Quando desci, pelo outro lado, vi que havia um nome de mulher escrito em branco na pedra.

Há quanto tempo estava ali? As chuvas tentaram lavar o nome, ele preferiu ficar. Talvez tenha sido escrito por um caboclo enamorado, cansado de colher cebola debaixo do sol, que se encostou na pedra para sonhar com a mulher. Conseguiu, por alguma magia, que sua escrita a atraísse?

Uma sorte ele teve: apaixonou-se por um nome curto, de quatro letras, pouco trabalho teve para se declarar.

Ou, vai saber, foi a mulher mesmo que deixou seu nome ali. Por vaidade, por não ter nada melhor pra fazer e dispor de cal, pincel e pedra. Ou para que, anos depois, seu gesto virasse texto, colhido neste momento pelos olhos de quem me lê.

Faz um estranho eco, um nome escrito nas pedras. A dureza mineral não combina com o sentimento que ele inspira, como o viço e maciez do talo escondem a acidez da cebola.

Quando a tarde se cansou, o sol caído espichou nossas sombras. Por essa elasticidade a pedra não contava.

Lembro que voltamos de trator. A caçamba carregada de cebola e nós em cima. Um cantava, o outro contava feitos espantosos, e os olhos lacrimejando. No ar puro de queimar pulmão, um de nós fumava sem parar. E eu pensava na mulher, não sei se ficou tocada, se ficou com o caboclo, mas seu nome na pedra ficou.

Somos muito estranhos. Imagine que um ser humano, um belo dia, mordeu aquela coisa amarga e ardida que é cebola e, em vez de cuspir e procurar uma manga para adoçar a boca, chegou à estranha conclusão de que aquilo ia servir para refogar e temperar a comida. Enfim…

O trator fazia subir o pó que a falta de chuva acumulava. Chacoalhávamos nossa infância pela estrada de terra. Disse há pouco que falávamos, mas o fazíamos tão pouco, no mais seguíamos em silêncio. Queríamos chegar rápido, hoje eu não teria pressa alguma em que o passeio tivesse fim.

Chegamos fedendo a cebola misturada com terra, suor e a fumaça do cigarro que tinha grudado na pele. E, como todos os meninos desde que o mundo é mundo, era preciso lutar contra aquela perda de tempo que era tomar banho. Conosco, a água era eficiente e limpava a pele, para compensar sua impotência em lavar a tinta da pedra.

Vinda a noite, meus avós, meus pais, tios, meus irmãos e mais um bando de primos se reuniam sob a luz fraca e amarelada da sala de jantar. Aqui, o silêncio perdia feio, era uma falação e um contar que não tinha fim. As bocas só se aquietavam na mastigação, a pausa para nos olharmos com amor e respeito.

Uma plantação de cebola é a desculpa ideal para os olhos arderem sem dar explicação.

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