terça-feira , 26 novembro 2024
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São José vista do alto

São José vista do alto

Uma prima me manda uma foto de São José tirada de um avião. À grande altitude, em velocidade de cruzeiro, a cidade, que já não é uma imensidão, surge num breve momento tão pequenina.
A primeira coisa em que a gente repara são os tons de verde e azul, lembrando a paleta de Cézanne (eu ia dizer que o mestre pós-impressionista se inspirou na minha terra, mas é capaz de esse pessoal invejoso me acusar de bairrismo).
Do alto, não se percebe a cor parda que dá nome ao rio. Nem as centenas de garças brancas que fazem seus ninhos nas árvores em volta. Mas lá está o velho Pardo, serpenteando, cortando a cidade ao meio. Boa notícia: vê-se muito verde em suas margens, de todos os tons, o que significa que há vegetação nas encostas para proteger suas águas.
Ali, naquele pequeno aglomerado de ruas e casas, vivem quase 60 mil almas. Aí estão todos os seus problemas e alegrias, bondades e ambições, sermões do padre, peões andando a cavalo, cervejas nos botecos, as velhas nas janelas a tudo e todos fiscalizando, roscas e canudinhos de doce de leite. Com muita dificuldade, localizo a ponte metálica construída por Euclides da Cunha, a Matriz e a Praça da Matriz, mas não localizo a casa da vó Guiomar. Natural que não apareçam os carrinhos de pipoca: eles andam sumidos, mesmo.
Gosto de imaginar que, naquele mesmo instante, um conterrâneo meio sonhador acompanha, do ponto de vista inverso (do banco da rodoviária, talvez), a passagem do avião minúsculo no céu, imaginando para onde estaria indo, se Canadá ou Bahia, Paris ou Altamira. Mas, a bem da verdade, ele o faz brevemente, pensamentos ocupados naquela moça que não lhe dá a menor pelota, e esse é todo seu tormento.
São José tem muitas subidas e ladeiras, sobes e desces; debaixo de um solão fica difícil caminhar – talvez por isso tenha tanto carro. Do alto não aparece nenhum, como não aparecem as poucas carroças que sobraram e os cachorros que insistem em dormir bem no meio da rua, inabaláveis, os carros que desviem, ora essa.
Sob esse solo, visto de tão alto, dormem muitos queridos; sobre esse solo, nascem novos. Peço aos aviões discrição: não exagerem no barulho das turbinas para não perturbar a paz do sono de nenhum deles.
Minha pequena e imensa São José, que desce, decola, voa, arremete e pousa nos pensamentos.
Vejo uma última vez a foto. Talvez este, exatamente este, seja o ponto de vista de meus pais, a nos olhar de onde estão, a observar nossos passos e nos guiar nos caminhos e no desvio das quebradas.
Bobagem? Sei não. Não é menos provável do que descobrir que, do alto, São José (quem diria?) tem as cores de Cézanne.

Cássio Zanatta
É cronista, escreve semanalmente para o jornal A Tribuna de Santos e para as revistas digitais Rubem e São Paulo Times

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