Problema causa danos à saúde mental, exaustão emocional e até doenças psicossomáticas
O excesso de informações e a cobrança cotidiana constante fazem com que as pessoas se sintam pressionadas a entregar resultados rápidos e a buscar incessantemente por evolução, seja ela na vida profissional ou pessoal. Mas uma coisa é certa: o estresse e a exaustão tornaram-se presentes na vida da população de uma forma geral, porém, com diferentes formas de manifestações.
Segundo estimativa da International Stress Management Association no Brasil (Isma-BR), cerca de 30% dos mais de 100 milhões de trabalhadores brasileiros sofrem com a chamada Síndrome de Burnout, caracterizada pelo esgotamento físico e mental.
O problema passou a ser reconhecido como um fenômeno relacionado ao trabalho pela Organização Mundial de Saúde (OMS). A assunção dessa condição passou a valer neste mês de janeiro, com a vigência da nova Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-11). Os principais sintomas da síndrome são: cansaço, irritabilidade, desmotivação, dores tensionais, alterações no sono e apetite, dificuldade de concentração e memorização, além de pessimismo e sentimento de fracasso.
Sem sombra de dúvidas, muitas pessoas se identificam com pelo menos dois dos sintomas citados acima, esporadicamente. Mas quando é necessário se preocupar?
A psicóloga Tatiane Soares Gomes, especialista em teoria psicanalítica e psicoterapia de grupo, respondeu algumas dúvidas sobre o tema.
O que é a Síndrome de Burnout? Como ela se caracteriza?
Tatiane: A Síndrome de Burnout, ou Síndrome do esgotamento profissional, pode ser caracterizada como um estresse elevado produzido por excesso de exigências de atividades profissionais. Tal síndrome apresenta sintomas que vão desde esgotamento emocional relacionado ao envolvimento direto com as funções e pessoas com quem se trabalha, até doenças de cunho psicossomático, como cefaleia, hipertensão arterial, problemas gástricos e/ou hormonais.
Quais fatores de risco contribuem para que alguém desenvolva esse distúrbio?
Tatiane: As causas de Burnout residem numa combinação de fatores:
Individuais – onde o próprio sujeito tem uma autoexigência sobre si mesmo e dificuldade em colocar limites para si e para os outros;
Organizacionais – quando existe uma pressão demasiada e quando, por exemplo, há reforçamento de competição entre os funcionários;
Sociais – não podemos deixar de levar em conta que vivemos o que o filósofo sul-coreano Byung-Chul Han descreveu como sociedade do cansaço, onde a identidade de cada sujeito é reduzida à esfera do trabalho e da produção, tendo que sempre entregar um desempenho elevado, bater a meta pois enquanto estou dormindo há pessoas trabalhando, é como se a cada descanso ou férias eu estivesse sendo ultrapassado por alguém mais “capacitado”.
Quando os sintomas surgem, o que fazer?
Tatiane: É sempre importante não esperar que esses sintomas agravem. Procurar uma ajuda profissional é a melhor recomendação.
É um problema crônico?
Tatiane: Não é um problema crônico e existe muita possibilidade de melhora. É claro que a demora para procurar auxílio pode trazer consequências mais graves, assim, quanto mais rápido o sujeito se auto perceber e procurar uma ajuda, melhor. Lembrando que a maior dificuldade talvez seja no romper com uma dinâmica de trabalho que consome o sujeito.
Quais os tratamentos indicados?
Tatiane: Um dos tratamentos mais difundidos seria o farmacológico com intenção inicial de redução de sintomas. Entretanto, é através da psicoterapia que a pessoa acometida com Síndrome de Burnout tem a possibilidade de entender um pouco mais sobre cada sintoma e se posicionar no mundo diante disso. Como dito acima, existem vários fatores que poderão, individualmente ou não, favorecer que o sujeito desenvolva tal sofrimento psíquico.
Quais pontos devem ser avaliados para definir se o ambiente de trabalho está afetando a saúde mental da pessoa?
Tatiane: Uma das maneiras de avaliar se o ambiente de trabalho está sendo danoso à saúde mental dos funcionários é acompanhá-los de perto e verificar o nível de satisfação e motivação dos mesmos. Isso se consegue através de diálogo e confiança, em muitas empresas há um ambiente tóxico de competição onde cada funcionário vê o colega como um oponente, não há como ver saúde mental em ambientes assim.
Férias atrasadas podem contribuir para o desenvolvimento desse problema?
Tatiane: Sim, é muito importante que o sujeito consiga pelo menos por um prazo determinado e planejado se desligar das atividades laborais. Todo tipo de trabalho, sendo algo que corresponda ao desejo (ou não) exige um dispêndio de energia razoável.
Como evitar o esgotamento profissional?
Tatiane: Do ponto de vista do sujeito, se pode evitar o esgotamento profissional da mesma forma que se evita o esgotamento emocional, sabendo aceitar os próprios limites e colocar os mesmos para os outros com os quais convive, saber dizer “não” quando necessário, não fazer do trabalho a primeira instância de sua vida e, principalmente, procurando ajuda profissional quando houver necessidade.
Esse distúrbio pode ser confundido com alguma outra doença?
Tatiane: O Burnout pode sim ser confundido com algum outro sofrimento psíquico, já que os sintomas podem ser parecidos com um quadro de ansiedade elevada e depressão, além de poder levar ao desenvolvimento de doenças de cunho psicossomático como gastrite nervosa, cefaleia e psoríase.
O que não pode faltar em um ambiente de trabalho considerado saudável?
Tatiane: Existem estratégias para se criar um ambiente de trabalho mais saudável como práticas humanizantes e reconhecimento do trabalho executado (financeiro e pessoal), por exemplo. Ademais, saliento novamente a importância de existir dentro desse microssistema diálogo e escuta.
Quais as maiores consequências da Síndrome de Burnout na vida de um indivíduo?
Tatiane: Somos assolados diariamente por viver em uma sociedade que preza a entrega de desempenho acima de qualquer coisa. Ao primeiro sinal de tédio ou descanso, buscamos instantaneamente ocupar esse espaço com algo “produtivo”. É inegável o impacto negativo disto, a sociedade em si torna-se hostil pois a qualquer momento alguém vai me passar ou puxar meu tapete. Sendo assim, a crise no ambiente de trabalho pode ser o desencadeador de outras crises em outros campos da vida do sujeito, como familiar, pessoal e social.
*Com informações da Agência Brasil
“Soltei a corda do meu auto controle”, diz jovem sobre a síndrome
C.S., uma jovem rio-pardense de 26 anos, que sofre de depressão e tem crises de ansiedade, também precisou lidar com a Síndrome de Burnout durante uma fase de sua vida. Ela contou ao jornal as dificuldades que enfrentou durante esse período, e mencionou como lida atualmente com seus problemas emocionais.
“Fui diagnosticada com depressão desde nova, e desde que me conheço por gente passo por fases ruins em minha vida, cujo as vezes sofro pra superar a situação e aprender sobre ela. Meu comportamento sempre foi normal para a maioria das pessoas, quem me via sorrindo e brincando, com meu jeito extrovertido, jamais acreditava que eu tinha depressão e que eventualmente, a cada problema que me deparava, o pensamento sobre o suicídio vinha à tona na minha cabeça”, relatou.
“Tudo foi se encaminhando pra Síndrome de Burnout, quando em determinada fase da minha vida, onde todas as coisas que me incomodavam vieram à tona de uma só vez, foi aonde soltei a corda do meu auto controle”.
Segundo C.S., quando ela foi diagnosticada com a síndrome, não sentiu impacto algum. “Era só um nome diferente pra tudo pelo o que eu já havia passado. Já estava enxergando as coisas que haviam acontecido com outros olhos e já estava mais calma após essa tormenta”, disse.
“Dizem que a síndrome é um esgotamento físico e psicológico. E de fato é. Eu estava passando por uma situação na qual me via perdida e confusa por qual situação lidaria primeiro; meu serviço, término do namoro, e a relação com meus pais. Eram tantos sentimentos ruins que me faziam perder a noção do que eu estava sentindo. Um misto de raiva com tristeza somada com revolta. Qualquer palavra era uma faísca suficiente pra explodir. Mínimas coisas bobas me faziam perder o sentido e ficar irracional. Como um gato do mato enjaulado. Com isso não tinha paciência para mim, muito menos para os meus pais, e isso foi o estopim pra que eu tomasse certas atitudes negativas”, relembrou.
Para a jovem, lembrar de tudo o que enfrentou ainda é doloroso. “Me feri em qualquer ambiente que me adentrei. Inclusive no Pronto Socorro, quando fui atendida por uma enfermeira que ridicularizou minha atitude de tentativa de suicídio. Como se a dor tivesse só forma física, algo que toma um remédio, põe uma atadura e com o tempo some. E que depressão, síndrome de Burnout e quaisquer outras enfermidades psicológicas fossem apenas frescura ou algo pra chamar atenção”, lamentou.
C.S se sentia exausta na vida profissional, devido aos esforços para tentar iniciar o próprio negócio. “Estava esgotada, atolada com projetos, queria ser reconhecida profissionalmente no que amava, e não obtinha sucesso”, contou.
Além disso, acontecimentos da vida pessoal também traziam grande peso para sua saúde emocional. “O luto do meu término foi bastante doloroso, tinha grande vínculo afetivo, tive uma gama de sonhos com aquela pessoa e de repente tudo ruiu. Aceitar isso foi difícil”, completou.
“O cansaço me dominava também, andava exaurida, não conseguia respirar, falar. Só queria ficar deitada descansando de uma coisa que não fiz. O cansaço era gigantesco. As pernas cediam, o ar faltava, a disposição estava a léguas de distância. E eu chorava. Chorava por tristeza e porque queria fazer as coisas e meu corpo não correspondia”, comentou.
“Foi um ano de luta e cobrança comigo mesma pra poder conseguir serviços da área em que me formei. Isso me esgotava. Eu mal dormia. Eu tinha outro serviço, que é o mesmo até hoje, e eu tinha que dar conta de cobranças que vinham dele também. A eficiência e a perfeição eram imprescindíveis”.
C.S. faz uso de medicamentos para depressão desde a adolescência.
“Já passei por isso faz 2 anos. E noto em mim uma facilidade maior de me irritar com as coisas. Qualquer fala mais alta de meu pai comigo, já me faz cair num choro incessante e as vezes tenho de ir ao médico para confirmar que meu cansaço agudo e meu desânimo é fruto do meu próprio emocional danificado”, disse.
Apesar das dificuldades, a jovem consegue enxergar um ponto positivo dentro de suas experiências. “Há o aprendizado sobre tudo que passei. Lidei como tinha que lidar e tirei uma lição sobre isso”, relatou.
C.S. deixou um conselho para quem está passando pelo mesmo problema. “Desista de todos pensamentos ruins e busque ajuda. Seja profissional ou espiritual. Deus ajuda completamente, e quando você o conhece, você desiste de muitas coisas ruins, que não terão acréscimo nenhum em sua vida. Além disso, teste alternativas. Tenha um hobby, uma dedicação do seu tempo extra a si mesmo. Não de maneira egoísta, mas se coloque em primeiro lugar”.