Eu pensava que todo mundo gostasse de ver constelação. Quando menino, achava que todos enxergavam como eu e meus quase sete graus de miopia: as coisas borradas, imprecisas, sem contornos definidos.
Pensava que ser criança fosse para sempre. Que o frango a molho pardo levava esse nome porque tinha sido criado em São José, e que as verrugas de fato nascessem nos dedos que apontavam as estrelas. Pensava que fosse difícil só pra mim.
Jamais imaginei que meus pais um dia não mais estivessem. Que eu fosse capaz de tocar (mal, mas tocar) piano. Que passaria o resto da vida sem pular de trampolim, ou um dia veria uma agência bancária toda feita de vidro. Que São Paulo tivesse carnaval de rua e noites quentes, onde patinetes e tatuagens reinariam.
Pensava na morte da bezerra, não como uma expressão, mas como algo que presenciei e assombra até hoje.
Achei que era só me apaixonar que tudo estaria resolvido. Que as pipocas estourassem por vontade própria. Que os cometas nos visitassem com mais frequência. Que as borboletas afinal tomassem tenência de sua extravagância e as lagartixas fossem simpáticas a todos.
Quando eu podia supor que meu corpo me trairia? Que o rádio-relógio pudesse existir, já que os dois nomes anseiam por coisas diferentes: o primeiro, ilusão; o outro, exatidão? Que Plutão ia ser rebaixado, deixaria de ser um planeta, ou que eu poria os pés em Salzburg? Como eu podia saber que o trema corria risco de vida? Que nosso Brasil insistisse num sono sem fim?
Eu pensava tanto. Não sei se fiz bem.
Podia apostar um Chicabon, duas caixas de bombinhas, uma fita cassete virgem e uma bola de capotão – sem saber que um dia eles não existiriam mais. Muita sacanagem (maior foi continuar dando o nome de Chicabom a isso que aí está).
E eu que pensava que não fosse possível haver junho sem balão, nem jabuticaba vendida em supermercado. Ou que, com o tempo, os apartamentos fossem diminuindo de altura e os homens, aumentando. E que os aviões a jato morressem de inveja do planar dos urubus.
Quem diria que as certezas deixariam de ter convicção? O celular ia servir mais para escrever e tirar foto que para falar? Que o casal amigo ia se desfazer? Pisar no barro virasse um acontecimento raro? Que os churrascos cairiam em desgraça? Ou que chegaria o dia em que um carioca não soubesse cantar uma única música de Tom e Vinícius?
Algumas coisas eu pensei, outras, me surpreenderam. O eclipse total. O papamóvel. Os pingos ritmados. O funcionamento seguro das usinas nucleares. O passe escolar. As lavanderias automáticas. A aposentadoria das abotoaduras. Uma enxurrada que subia a rua. A paçoca diet.
Daí eu descobri que os textos não nasciam com ritmo, por mais barulho fizessem as teclas. Isso era com a gente. Mas nessas coisas, não fui capaz de pensar. O mundo tem mais imaginação que eu.