Academia montada em Tapiratiba oferecia ginástica artística e cobrava R$ 95,00 de mensalidade
A Polícia Civil de São José do Rio Pardo segue investigando a cessão de equipamentos da Semel – Secretarial Municipal de Esportes e Lazer (antigo DEC), para uma academia particular de Tapiratiba. O caso veio à tona após denúncia anônima formulada pelo número 181, informando o sumiço de vários aparelhos da modalidade de ginástica. A investigação foi revelada pela Gazeta, na semana passada. Após a repercussão, ainda no final de semana os equipamentos foram devolvidos ao município, em meio a indagações sobre as responsabilidades.
Sem a existência de um convênio com o município vizinho ou com alguma entidade do terceiro setor, o empréstimo dos equipamentos é considerado ato de improbidade administrativa, conforme preconiza a legislação.
“Vamos supor que isso fosse uma parcerias público-privada ou como se diz, uma PPP, permitida na Lei 11.079/2004. De todo modo, teria de passar pela Câmara. Exige uma autorização legal, mas parece que houve só um papel assinado, entre o secretário e o seu diretor. Logo, é ilegal. Estamos diante de uma afronta ao Direito Administrativo. Essa prática desencadeia uma série de irregularidades, não apenas a improbidade, mas também peculato e até enriquecimento ilícito, pois conforme noticiado, a academia cobrava das crianças um valor de mensalidade. É preciso saber para quem ia esse montante, se o município recebia alguma coisa, já que havia emprestado os equipamentos. A forma como isso entrava no caixa da municipalidade. São muitas as questões. É um assunto complicado. Melhor mesmo que os envolvidos se expliquem”.
A observação é de um advogado de larga experiência em direito administrativo. Por questões éticas, autorizou a reprodução da fala, mas pediu para não ser identificado.
O profissional afirmou ainda que casos assim, via de regra, viram inquérito policial e são encaminhados ao Ministério Público. “Não existe essa coisa de ‘não vai dar em nada’. Tem que dar alguma coisa. A polícia não prevarica e a justiça menos ainda. Alguém precisa ser responsabilizado e exemplarmente punido, caso contrário, vira prática. Qualquer um de nós pode chegar na prefeitura e pedir um carro emprestado para viajar, pedir um prédio público emprestado para fazer uma festa”, comentou. “Já pensou a confusão que seria?”, completou.
“Valor simbólico”
De acordo com as informações da semana anterior, a autorização para o empréstimo dos equipamentos foi assinada pelo secretário Nelson Perdigão. Pelo menos foi o documento que apresentaram na Delegacia, quando a Polícia Civil iniciou a investigação do caso.
O material foi levado a Tapiratiba pelo gestor da pasta, o professor Rodrigo Ramos, onde montou uma academia particular. Ainda conforme apurado pela reportagem, estagiários de São José do Rio Pardo prestavam serviços no local. Ainda não foi possível precisar se eles eram pagos pela Semel, pela academia e se os horários eram coincidentes com as horas de estágio no órgão municipal.
Informações repassadas por pais de alunos, de Tapiratiba, dão conta que a academia cobrava o valor de R$ 95,00 (noventa e cinco reais) de mensalidade das crianças que participavam das aulas. “Um valor simbólico”, disse o professor na semana passada, falando à Gazeta, ocasião em que afirmou atender cerca de 100 crianças.
Prefeito não responde
Na última terça-feira, 30 de janeiro, a redação encaminhou e-mail ao prefeito Márcio Zanetti, fazendo uma série de questionamentos acerca do assunto. As perguntas foram direcionadas aos endereços eletrônicos do Gabinete e Assessoria de Imprensa da Prefeitura. Além disso, foram enviadas também no whatsapp do prefeito.
Foram formuladas as seguintes questões:
1-O senhor tinha conhecimento desse empréstimo de equipamentos? Ou de alguma forma o teria autorizado?
2-Quais são as justificativas para permitir que esses equipamentos fossem emprestados para uma academia particular, que auferia renda usando os equipamentos públicos deste município?
3-O senhor tem conhecimento de que, além do empréstimo de equipamentos, havia outros funcionários da Secretaria Municipal de Esportes prestando serviços nesta mesma academia?
4-O senhor concorda ou discorda que isso configura ato de improbidade administrativa e também de peculato?
5-Na sua gestão, houve outros “empréstimos” dessa natureza, para outras empresas particulares desse ou de outro município?
6-Qual será o posicionamento da administração municipal em relação a este caso?
Apesar de ter solicitado retorno para o dia seguinte, a redação aguardou pelas respostas até a noite de ontem, sexta-feira, 2 de fevereiro, mas não houve manifestação por parte do Executivo.
Doação da antiga Casa de Cultura e Cidadania
São José do Rio Pardo sempre foi uma referência em estrutura para o desenvolvimento da ginástica artística. Na gestão de Maurílio Edson Basili, como presidente do DEC, a autarquia ganhou uma ampla sala para a modalidade, construída em área anexa ao Ginásio Municipal de Esportes.
Pouco tempo depois, a cidade recebeu o projeto Casa de Cultura e Cidadania. À época, o então prefeito João Santurbano cedeu instalações da Emeb Zélia Maria Zanetti para que o projeto pudesse instalar sua sala de ginástica, onde centenas de crianças e jovens passaram a ter aulas gratuitamente. Houve um boom na formação de atletas para essa modalidade.
Mas com o fim das atividades da Casa de Cultura e Cidadania, a empresa gestora do projeto doou os equipamentos para o DEC – à época presidido pelo professor Iury Abrão, na gestão do prefeito Ernani Vasconcellos. Em termos de custos, seria o equivalente a R$ 1 milhão, o que serviu para equipar novamente as instalações da modalidade no DEC, hoje Semel. Cumprindo as questões de transparência e prestação de contas do terceiro setor, toda a doação foi documentada, não apenas dos equipamentos esportivos, mas também de itens eletrônicos, instrumentos musicais entre outros.