Um pé no céu, outro no inferno
Uma vez por semana, viro o Deus de um mundo que, não sendo Deus, levei não seis dias, mas sessenta anos para criar. Um criador confuso, que vira e mexe se espanta com a criatura; ela tem vida própria, o orgulha, o humilha, ri de sua condição ridícula, tentando fazer um mundo aos tropeções, sem sentido nem método: quando começa, nunca sabe onde vai parar.
Uma vez por semana, viro abóbora. Dessas orgulhosas, que se enfiam na terra e muito de vez em quando põem a cabeça para fora para ver se alguém está reparando. E nunca aconteceu de uma fada me transformar em carruagem. No máximo, doce, misturada com coco, mas que ninguém lambe os beiços e pede a receita.
É quando sou desmoralizado por mim mesmo. Recebo xingamentos junto com beijos, confete junto a desprezo. Já houve escarro no rosto, mas também um olhar que brilhou. Nunca sei quando está bom; quando é alta a expectativa, maior a frustração; quando nada espero, pareço agradar.
Uma vez por semana, Beatriz me estranha e me olha de canto, querendo saber quem é esse aí.
No fim de semana, me perdoo por tudo, mas terça chega com seus pecados. Nesse dia, o cachorro que não tenho me ataca. O vizinho me ignora. A multa chega para me lembrar da minha divindade nenhuma. O banho não desperta. Mas sigo nessa imbecil necessidade de admiração, que convive com o terror de ser desmascarado.
Uma vez por semana, me lembro do que, no dia seguinte, esqueço. “Faça-se a luz!”, ordeno. E a energia cai, uma árvore ignora meu comando e tomba na fiação da rua. Espectro de Deus.
Uma vez por semana, me pego assobiando uma música que, de tão ruim, ninguém teve coragem de compor. Pior: no ônibus cheio, com todo mundo me encarando. Pobre Deus, que não consegue desaparecer quando estala os dedos. Fazer chover não sabe. Voar nem tenta.
Criador fajuto, não sei fazer desaparecer a ressaca, a remela no olho, a espinha no rosto, a espinha do peixe e menos ainda sei quando é parágrafo.
Quando não é.
E no entanto, as linhas se sucedem. Umas sobre as outras, vão formando um improvável edifício. É um milagre, mas atribuí-lo a mim seria blasfêmia. Sento-me diante do computador e espero. Espero. Espero. Até que adormeço e sonho com o texto. Só não sei se foi um anjo ou o diabo quem me soprou. Não mereço crédito algum, sou inocente, fui possuído, a culpa é de outro.
Aí a crônica sai assim, deste jeito, fazer o quê?
Deus mesmo só me sinto quando crio você, leitor.