“Nós nos arriscamos mesmo, não só médicos e enfermeiros, mas todos a área hospitalar”, diz Priscila
A rio-pardense Priscila Gasparotto, que trabalha como enfermeira intensivista no Hospital de Frankfurt, na Alemanha, desde setembro de 2019, foi a entrevistada desta semana da rádio Cidade Livre e Difusora FM, através do locutor Ênio Flay. Como já tem sido divulgado, as duas emissoras têm divulgado entrevistas com rio-pardenses que residem em países nos quais a Covid-19 tem acometido pessoas.
Segundo Priscila, a Alemanha tem uma carência elevada de enfermeiros. “Fizeram um programa para trazer enfermeiros para a Alemanha, e tem alguns países principais onde eles buscam esses profissionais. Um deles é o Brasil. Oferecem um curso de alemão por seis meses e você vem para cá com o contrato de emprego já fechado. Foi como vim para a Alemanha”, contou.
UTI
“Sou enfermeira intensivista, então vim para cá para trabalhar com UTI e trabalho em um setor onde atende pacientes com problemas respiratórios. Desde o dia 21 de março a UTI onde trabalho se tornou uma Unidade para pacientes com coronavírus. Só ficam nela pacientes que estão confirmados. Até onde eu sei, são apenas duas UTI´s na cidade que atendem pacientes com problemas respiratórios, que foram fechadas para esses pacientes”, relatou.
“Temos 11 leitos na UTI onde eu trabalho e fomos esvaziando ela na medida do possível. Os outros pacientes que não estavam com coronavírus foram transferidos para outra UTI. Desde o dia 21 de março tivemos 11 casos de Covid-19 onde eu trabalho. Temos aproximadamente 650 casos na cidade, e aproximadamente dez mortes. Dois desses óbitos foram conosco, mas até agora não tivemos nada que fugisse do padrão. Desses 11 casos, quatro foram bem simples, se recuperaram muito rápido e saíram da UTI em menos de três dias. Temos cinco pacientes que estão entubados desde o dia 21, um deles não está mais usando o respirador, o restante continua. Quanto aos dois óbitos que tivemos, um dos casos era um senhora de 96 anos com várias comorbidades, e uma paciente com câncer bilateral pulmonar. Não foi nada acima do esperado, nenhum caso de morte com pessoas jovens, ou com pessoas que já não possuíam uma doença”, informou Priscila.
Equipamentos
“Não usamos nenhuma roupa diferenciada aqui, nada como aqueles macacões da China. É a máscara que é padrão para o mundo todo, usamos viseira quando vamos lidar diretamente com o tubo, a luva e o avental. Não estamos distantes da realidade de um hospital privado em São Paulo, onde trabalhei, por exemplo”, prosseguiu.
“A Alemanha é um dos países que tem o maior número de leitos. Eles deram um subsídio para os profissionais aumentarem o número de leitos, que já era grande. Só que com isso, mexeram na regulamentação da enfermagem e subiram o número de pacientes. Temos 40 mil leitos de UTI na Alemanha, então são esses leitos mais um subsídio de 50 mil euros para cada cama que eles conseguirem colocar, para instalar novos equipamentos”, explicou.
Cotidiano
“Nós nos arriscamos mesmo, não só médicos e enfermeiros, mas todos que trabalham na área hospitalar. Estamos enfrentando algo desconhecido. O mais desconfortável é passar o dia todo paramentado. Já fiquei o dia todo só na parte dos ventiladores, então fiquei usando a máscara, a viseira, e isso dá dor de cabeça, tem horas que você começa a ficar com muita sede porque resseca a boca. Trabalhamos em uma condição muito estressante. Quando saímos da área contaminada temos que tirar toda a roupa, depois precisamos entrar e colocar tudo de novo. Você tem que ter uma cabeça boa, porque se sair e esquecer algo, tem que entender que não é tão simples assim entrar na ala de novo, então para nós é um momento muito estressante”, contou.
Mudança na escala
“Estamos seguindo uma escala um pouco mais fechada, criaram um horário intermediário, porque como a Alemanha tem falta de profissional, ela mexeu um pouco na regulamentação da profissão. Temos um número de pacientes que podemos cuidar, e esse número subiu um pouco. Mas não estamos assumindo mais pacientes do que conseguimos, são dois por enfermeiro. Se for necessário, a regulamentação da profissão já está mudada. Eles mexeram nisso muito rápido porque sabiam que não iam dar conta com o número de profissionais que eles tem, por conta da crise que se tem agora. Dentro dos profissionais de enfermagem que já existem, tem uma falta muito específica de profissionais para a UTI”, disse.
Quarentena
“A quarentena aqui não é imposta. Comecei a ver um movimento antes do dia 20 de março, vivíamos um movimento espontâneo. Muita gente com medo de sair de casa, naquele final de semana do dia 21, 22 começaram a ficar mais em casa. Depois quando os casos aumentaram, as pessoas passaram a enfrentar multas caso desobedecessem algumas regras. Aqui na Alemanha não é permitido você andar com mais de uma pessoa na rua. Só pode andar em até duas pessoas juntas. Se você estiver conversando com outra pessoa, tem que manter pelo menos dois metros de distância. No caso de casais, as pessoas ainda tem uma justificativa, porque moram juntos e estão juntos 24 horas, com as crianças também tem essa liberdade, mas se você estiver com outra pessoa só conversando, precisa manter a distância”.
Comércio
“Nos supermercados, todo mundo precisa pegar o seu carrinho, e em alguns lugares eles dão uma luva de plástico bem simples, só para proteger a mão. Em outros te dão um paninho para limpar o puxador do carrinho. A pessoa higieniza a mão, pega o carrinho, na volta devolve o carrinho, limpa ele de novo e limpa as mãos. Colocaram marcações no chão também, para manter a distância de dois metros de cada pessoa. E só permitem até certo número de pessoas dentro do local, o resto fica esperando em uma fila para fora, respeitando a distância”, completou.
“Bares, academias, lojas pequenas, foram fechados. O que está aberto são farmácias, supermercados, postos de gasolina, o restante está fechado. O prazo para manter os estabelecimentos fechados era até 19 de abril, mas já estão discutindo que não será o suficiente”, revelou.
Auxílio
“O governo alemão já liberou auxílio para os autônomos, mas não é como no Brasil que liberam mensalmente. Aqui eles liberam um montante de uma vez, aí você não pode solicitar mais. O teto que a pessoa pode solicitar é até 30 mil euros por pessoa”, destacou.
Dia de sol
“Algumas pessoas já começaram a voltar para a rua no final de semana passado, porque aqui é muito frio, quando abre sol, as pessoas querem sair. E esse final de semana foi o primeiro com sol, e o pessoal foi para a rua. Os parques estavam lotados, as pessoas não conseguem ficar muito tempo dentro de casa”, concluiu.