Município trata cerca de 90 pacientes da cidade e região
Segundo dados publicados pela plataforma da UNAIDS, 37,7 milhões de pessoas no mundo inteiro estavam vivendo com HIV em 2020. No mesmo ano, mundialmente, 1,5 milhão de pessoas foram infectadas pelo vírus. Além disso, aproximadamente 690 mil de pessoas morreram de doenças relacionadas à AIDS, também em 2020.
No entanto, as mortes relacionadas à AIDS diminuíram 43% desde 2010. Países com leis e políticas progressistas e sistemas de saúde fortes e inclusivos têm tido os melhores resultados na resposta ao HIV. Segundo pesquisas, nações com leis punitivas, por outro lado, apresentam pior desempenho.
Globalmente, o relatório mostra que o número de pessoas em tratamento mais do que triplicou desde 2010. Estima-se, ainda, que a implementação de tratamento acessível e de qualidade tenha evitado 16,2 milhões de mortes relacionadas à AIDS desde o ano de 2001.
Dr.Marcelo Galotti, infectologista que atua há muitos anos na área de tratamento contra a Aids, concedeu uma entrevista há Rádio Difusora essa semana. Gazeta do Rio Pardo reproduz os principais trechos.
“Em 2010, em uma situação de mais de 40 milhões de casos de Aids, tínhamos 2 milhões de casos por dia, 1.5 milhão de mortes e 7.8 milhões de indivíduos em tratamento contra a Aids. Era um número assustador.
Aumento no número de tratamento
Surpreendentemente, em 2016, a própria UNAIDS fez um alerta, e os cientistas da Instituição fizeram uma proposta que a maioria das pessoas entenderam como ousada e inatingível. Eles sugeriram pegar uma região de um estado, cidade ou país, e conhecer pelo menos 90% das pessoas que fossem portadoras do vírus. Conseguindo isso, a ideia seria abordar essas pessoas e garantir o maior número possível de tratamento, pelo menos de 90% das pessoas portadoras do vírus. Uma terceira conquista seria que 90% dessas pessoas que fizessem o tratamento, negativassem a carga viral”, explicou.
Dezenas de países aderiram a proposta citada por Marcelo, nações que eram progressistas, e com um forte setor de saúde. “Eles conseguiram. Foram muitos testes, pré e pós exposição, tratamento, acolhimento dos pacientes e conseguiram atingir o objetivo”, completou.
No entanto, segundo o infectologista, em 70 países, o grupo alvo e as mulheres, ainda não são valorizados. O grupo alvo, que são presidiários, usuários de droga, homossexuais e transexuais, que respondem por 67% dos casos novos, são punidos, segregados, esquecidos e criminalizados. “Com isso eles passam a desempenhar a vida deles escondidos. Por este motivo, não sendo acolhidos, eles não procuram tratamento”, pontuou.
“Mesmo com essa condição, conseguimos que o número de mortes caísse, que os de novos casos reduzissem e que o número de tratamento crescesse. O resultado do tratamento foi tão animador, que a expectativa é que a transmissão da Aids seja erradicada em 2030”, revelou.
Erradicar a transmissão
A Aids é uma doença que não tem cura radical, ou seja, não existe um medicamento que seja capaz de eliminar o vírus, e até o momento, não existe uma vacina. No entanto, a expectativa é conseguir erradicar a transmissão. “ O que aconteceu nos países desenvolvidos com relação ao tratamento, nos anima bastante”, disse Marcelo.
Estudos da Inglaterra e da África do Sul descobriram que o risco de morrer por COVID-19 entre as pessoas com HIV era o dobro da população em geral.
Aids e Covid
“Quando a Covid começou, ninguém sabia nada dela. Poucos meses depois, já sabíamos que ela afetava com maior gravidade os idosos, comórbidos e imunodeprimidos. Cerca de 67% dos casos novos de Aids do mundo, saem da África . Destes pacientes, menos de 50% são tratados. A Aids significa- Síndrome da Imunodeficiência Adquirida. Quando você pega a Covid ávida por imunodeprimidos e os pacientes africanos em uma alta taxa não tratada contra Aids, era de se esperar que isso acontecesse”, comentou.
Imunidade natural
Nem todas as pessoas que possuem HIV, desenvolvem a Aids. O infectologista explicou a imunidade natural, que é extremamente rara.
“Sabemos que existe uma imunidade natural, mas não conseguimos avaliar. O exemplo mais clássico, é do Magic Johnson, ex-jogador de basquete. Ele é soropositivo, teve HIV, mas a resposta do organismo dele é idêntica à como se ele fosse tratado. Ele tem carga viral baixa, não têm vírus no sangue, e tem CD4 (são células do sistema imunológico -linfócitos e o principal alvo do vírus HIV) alto anos depois de ser um HIV positivo. É aquilo que chamamos de controlador de elite”.
“Existem sim pessoas que pegam HIV e não desenvolvem a doença, mas isso já é conhecido há muito tempo”, declarou.
Segundo Marcelo, 5% das pessoas são imunes ao HIV. No entanto, ninguém consegue entender a totalidade dos casos ou o motivo da imunidade. “Mas existem exemplos ilustrativos, um deles, é o gene HLBA. Ele dá origem a um número alto de linfócitos, com poder de adesividade no HIV muito grande. O portador desse vírus não consegue desenvolver a doença. Existe um outro caso que se chama deleção do CCR5. Nessa deleção, perde-se um pedaço do cromossomo e ele dá origem a uma distrofia muscular de cintura, existem apenas 100 casos no mundo dessa doença. É rara e cruel, no entanto, os indivíduos que tem essa deleção do cromossomo, não pegam Aids”, explicou.
O infectologista explicou um terceiro caso de imunidade natural ao vírus, que é uma mutação chamada TPLO3.
“É o caso de uma senhora na Espanha, que tinha vários fatores para contrair Aids e mesmo assim ela não pegava. Fizeram um estudo genético dela e acharam uma mutação na transportina, substância que joga o vírus para dentro da célula hospedeira. Aquilo era alterado, e o vírus não conseguia inocular o RNA dele, na célula parasitada. Fizeram um estudo na família inteira, pegaram sete indivíduos que tinham a mesma mutação, usaram o sangue deles todos com o vírus HIV, e nenhum linfócito foi atacado, ou seja, o vírus não conseguiu entrar no linfócito. Esse é mais um caso de imunidade. Mas são casos isolados”, pontuou.
Transmissão
De acordo com o médico, hoje em dia, uma pessoa que é adequadamente tratada, não deixa de ser soropositivo, mas também não transmite a doença, pois a carga viral do vírus é zerada com o tratamento. “Mas naturalmente, uma pessoa portadora do vírus, que não faz tratamento, transmite sim o HIV. O único caso possível, é do Magic Johnson, que tem uma carga viral baixíssima sem tratamento e não conseguirá transmitir o vírus. Mas teoricamente todo soropositivo não tratado, é um transmissor em potencial”, afirmou.
Exames
Existem três tipos de exames para identificar o vírus HIV no organismo do ser humano. Em quanto tempo cada teste pode detectar a infecção pelo HIV é diferente, porque cada teste tem um período de janela diferente. O período da janela, é o tempo entre o momento em que uma pessoa contrai o vírus, e quando um teste pode detectar com precisão a infecção.
Testes de anticorpos: verificam anticorpos para HIV no sangue ou no fluido oral. Os anticorpos contra o HIV são proteínas que combatem doenças que o corpo produz em resposta à infecção. A maioria dos testes rápidos e de uso doméstico são de anticorpos.
Testes de antígeno/anticorpo: podem detectar tanto anticorpos do HIV quanto antígenos (uma parte do vírus) no sangue.
Testes de ácido nucléico (NATs): procuram o HIV no sangue.
Sintomas da Aids
Quando uma pessoa contrai HIV, existe um tempo necessário para incubação, o que leva a uma média de sete anos até que os sintomas apareçam, podendo surgir antes desse período ou até depois.
“É o tempo que o vírus usa para fazer a implantação. Depois de um tempo ele começa a desligar e a destruir o sistema imunológico da pessoa. Durante o período de incubação, a doença é absolutamente assintomática. A pessoa continua a vida normal, transmite e não percebe nada. Com o tempo, ela começa a apresentar os sinais iniciais da doença. São sinais do retrovírus. A pessoa tem febre, enfartamento de gânglios ( conhecido popularmente como íngua), começa a apresentar manchas e nódulos na pele, mialgia ( dor muscular), artralgia ( dor nas articulações) e emagrecimento. Este é o quadro clínico típico do retrovírus”, esclareceu.
No entanto, quando o vírus está atacando o sistema imunológico, o indivíduo fica sujeito a adquirir infecções secundárias e oportunistas, como pneumonia, tuberculose, entre várias outras.
Aids e gestação
O infectologista falou sobre as chances de uma mãe com HIV, transmitir o vírus para o filho durante a gravidez.
“A primeira descoberta com relação a gestação, foi quando descobrimos que a cada três filhos um era HIV positivo, ou seja, cerca de 33% das gestações a partir de HIV positivo, seriam crianças com HIV”.
“Depois começaram a introduzir o pré-natal, e passaram a tratar a gestante e também a criança. O que era 33% virou 5%, talvez até menos. Se a gestante entrou no tratamento com carga viral zero, a mãe vai ter o bebê sem nenhum problema. A chance da criança nascer com o vírus, é teórica, pode acontecer, mas o que era 5%, hoje é quase nulo. O que pode acontecer é da pessoa não saber que têm HIV e não fazer pré- natal, aí as chances são grandes. Mas hoje em dia, com as condições que temos, a transmissão da mãe para o bebê é pouco frequente”, destacou.
Município
São José do Rio Pardo é referência em atendimento para tratamento de Aids na região. Cerca de 90 pacientes HIV positivos são tratados no município, incluindo pessoas da cidade e região.
Marcelo alertou que quanto mais cedo o portador do vírus buscar tratamento, maior a sobrevida, e menos chances de transmitir ele terá.