Gazeta Do Rio Pardo

TDAH: um problema que afeta muitas crianças

Imagem da internet

Transtorno está associado a comorbidades em até 50% dos casos

Nos últimos dias, a imprensa brasileira tem dado destaque ao TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade). Há décadas, o problema era ignorado por falta de informação, e muitas crianças cresceram sem conseguir lidar com as dificuldades comportamentais. O Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade, é considerado neurobiológico, de causas genéticas, que aparece na infância e frequentemente acompanha a pessoa por toda a sua vida. Segundo a Associação Brasileira de Déficit de Atenção, esse transtorno é reconhecido oficialmente por vários países e pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Em alguns países, como nos Estados Unidos, portadores de TDAH são protegidos pela lei, em relação a receberem tratamento diferenciado na escola. Apenas no Brasil, são cerca de 2 milhões de novos casos por ano.

O jornal entrou em contato com a terapeuta ocupacional, Márcia Biegas, especialista em Transtorno Mental e Pós-Graduada em TEA (Transtorno do Espectro Autista) para explicar detalhadamente sobre o tema.  

“O TDAH é uma condição comportamental. Muitas pessoas definem como um transtorno neurobiológico de origem genética. Isso quer dizer que a maioria das crianças hoje, quando vamos entrevistar os pais, percebemos que eles próprios são hiperativos, desatentos. Mas antigamente isso não era diagnosticado. Muitos pais não conseguiram estudar, ou tiveram dificuldade na escola. Conversando com os pais, podemos perceber que realmente é de origem genética”, relatou.

Características

O Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade é caracterizado por vários sintomas. Os básicos são a desatenção, hiperatividade e impulsividade. Segundo a terapeuta, esses sintomas são responsáveis por muitos prejuízos na vida escolar da criança, além de acarretar problemas no relacionamento social e ocupacional.

O comportamento de crianças com TDAH na escola costuma ter as seguintes características:

– Deixa de prestar atenção a detalhes ou comete erros por descuido;

-Tem dificuldade para manter a atenção em tarefas ou atividades lúdicas;

-Parece não escutar quando lhe dirigem a palavra;

-Não segue instruções e não termina os deveres;

-Apresenta esquecimento em atividades diárias;

-Agita as mãos ou os pés ou se remexe na cadeira;

-Abandona a cadeira em sala de aula ou em outras situações em que teria que permanecer sentado;

-Corre ou escala em demasia, em situações nas quais isso é inapropriado;

-Perde com frequência objetos escolares;

-Evita ou reluta em se envolver em atividades que exijam esforço mental;

-Tem dificuldades para brincar silenciosamente;

-Fala muito, às vezes o tom de voz é alto, gritado;

-Tem dificuldades em aguardar sua vez;

-Dá respostas precipitadas antes das perguntas serem concluídas;

Exige atenção

Márcia explicou que é muito importante que os pais e a escola observem o comportamento das crianças. “Para fazer um diagnóstico de TDAH, na minha área como terapeuta ocupacional, eu sigo uma lista de critérios. Faço um teste, e se a criança preenche a grande maioria deles, eu encaminho para o psiquiatra para que ele feche o diagnóstico. Se os pais e a escola não ficam atentos ao comportamento da criança e não prestam atenção no que é normal ou não da idade, o transtorno pode sim passar despercebido durante a infância”, destacou.

Márcia Biegas, Terapeuta Ocupacional

“Uma criança ou um adolescente com TDAH, normalmente é desorganizado, apresenta dificuldade de concentração e também para seguir algumas ordens, erra por descuido, normalmente se esquiva de atividades que exigem muita atenção, se distrai facilmente”, observou.

Márcia costuma fazer um trabalho junto com a escola de seus pacientes, para que o tratamento tenha eficácia. “No trabalho com a escola, costumo orientar os professores a estabelecer rotinas em sala de aula, sentar o aluno na frente, dar as matérias mais difíceis no início da aula, fazer pausas regulares, dar tempo extra para responder às perguntas, estimular e elogiar o aluno, premiar o bom comportamento, fazer agenda e lista de atividades diariamente, fazer contato visual com o aluno e estimular a prática de esportes”, explicou.

Incidência alta

O TDAH é um transtorno muito presente na sociedade, de grande incidência na infância e adolescência. “Algumas pesquisas internacionais revelam que o TDAH está presente em torno de 5% a 10% da população em idade escolar”, completou a profissional.

A maioria dos casos de TDAH, possuem comorbidades associadas, que também são caracterizadas por transtornos comportamentais. “As crianças ou adolescentes com TDAH frequentemente têm alguma comorbidade, algum tipo de transtorno junto. As comorbidades mais comuns nos portadores de TDAH são  Transtorno de Conduta e Transtorno Opositivo Desafiador. Eles estão presentes de 30% a 50% dos casos de TDAH. Tem também os transtornos ansiosos, problemas de aprendizagem que são muito frequentes em crianças com déficit de atenção e hiperatividade. Elas também podem apresentar um quadro de depressão infantil, transtornos de humor”, disse Márcia.

A terapeuta atende 68 crianças e adolescentes de 1 ano e 6 meses a 14 anos de idade. Destas, 7 têm o diagnóstico de TDAH com comorbidades. 

Tratamento

“Temos que tratar sempre isso tudo junto. Medicações são indicadas só para casos mais graves, mas quando indicada, é para tratar essas comorbidades”, pontuou.

O tratamento do TDAH nem sempre é medicamentoso, dependendo do nível do transtorno e dos prejuízos na vida da criança ou adolescente. Os tratamentos mais indicados são a psicoterapia e a terapia ocupacional.

“Não classificamos em graus, mas quando vamos tratar, analisamos o quanto os sintomas prejudicam a vida da criança ou do adolescente, que tipo de perda essas crianças e adolescentes têm na vida social e escolar. Tratamos sempre conforme a gravidade”, explicou.

Geralmente, para o TDAH, é feito um tratamento multidisciplinar, com terapia ocupacional e psicoterapia. No entanto, segundo Márcia, a ajuda do professor é de extrema importância.

“É necessário conversar com o coordenador pedagógico da escola, com o professor, explicar o que é isso, e ajudar a melhorar o ambiente onde a criança fica, é muito importante. Se por acaso a criança brigar com algum colega, empurrar, não devemos chamar a atenção perto de outras crianças, é preciso tirar ela de perto, conversar e fazer ela enxergar e entender o que foi feito. O trabalho da escola junto com os terapeutas, é de extrema importância”, reforçou.

“Das crianças que atendo hoje, nenhuma tem só TDAH, todas elas têm um transtorno associado. A maioria delas tem o Transtorno Opositivo Desafiador. Em primeiro lugar, como terapeuta ocupacional, é preciso conquistar a criança, criar um vínculo com ela. É preciso que ela se sinta à vontade no consultório. Ela precisa nos ver como uma pessoa que realmente está ali para ajudar. Na terapia ocupacional fazemos isso sempre de uma forma bem lúdica, devagar, respeitando o tempo dessa criança. As primeiras vezes que eles vem até o consultório eu não começo de fato uma intervenção, eu tento ganhar a confiança da criança ou do adolescente, eles passam a gostar de vir até aqui”, contou.

“Como a maioria tem um transtorno associado, elas têm dificuldade em se relacionar, em manter um vínculo. Então eu trabalho o comportamento de forma lúdica. Trabalho com desenho, jogos, filmes, massinha, argila, para aliviar a raiva. Muitas vezes eu me proponho em ir até a escola, ou ligo para a professora para orienta-la, se for preciso eu faço uma carta com as orientações. O trabalho do TO é ensinar a criança a lidar com as dificuldades.  É importante destacar que o que funciona para uma criança, não funciona para outra. Elas são únicas e cada uma tem a sua necessidade. Planejar o atendimento é muito importante”, afirmou.

Sem cura, mas com qualidade de vida

O TDAH não tem cura. “A pessoa vai conviver com isso a vida toda. Um trabalho fundamental que a terapia ocupacional faz é ensinar a essa criança ou adolescente, a encontrar alternativas que facilitem ou que façam com que ele se adapte melhor na sociedade. Trabalhamos para promover a melhor qualidade de vida”, encerrou.