Transexual rio-pardense falou de respeito, preconceito, e sobre sua transformação
No dia 28 de junho, quando foi lembrado o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+ (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis, transgêneros, queer, intersexuais, assexuais e mais). A data surgiu após um acontecimento que se tornou símbolo de resistência e luta pela igualdade de direitos civis: a Rebelião de Stonewall. O ocorrido no dia 28 de junho de 1969 foi uma revolta contra uma operação policial violenta em um bar frequentado pela comunidade LGBTQIA+ de Nova York. Os protestos ao redor do bar se estenderam por dias, em uma época em que a comunidade era fortemente reprimida e alguns atos eram criminalizados. Após o ato, as manifestações se estenderam pelos EUA.
Para abordar o assunto, a Rádio Difusora em parceria com a Gazeta do Rio Pardo entrevistou a transexual rio-pardense, Aretha Anderson. Ela contou um pouco de sua história, falou sobre preconceitos e destacou a busca do movimento por respeito.
Nascida em São José do Rio Pardo, aos 45 anos, Aretha reside hoje em São Paulo. Ela morou na Itália e Espanha por um tempo. Atualmente ela trabalha numa loja de flores e faz serviços de banho e tosa.
Reação dos pais
“Eu tive medo dos meus pais, mas das outras pessoas, nunca tive. O receio foi com relação a eles. Até hoje meu pai não aceita, mas tenta respeitar. Eu tento não choca-lo mais. Quando somos mais novos, fazemos coisas erradas. Eu já choquei muito ele, ao invés de eu aprender a fazer ele me respeitar pelo o que eu era, eu queria o obrigar. Ao invés de eu dar o respeito, eu acabei tirando. Acredito que esse seja um dos motivos por ele ter mais preconceito, por não aceitar. Mas eu não quero aceitação de ninguém, as pessoas não são obrigadas a aceitar nada de ninguém. Quero o respeito das pessoas. Respeito é algo que precisamos ter com todos”, destacou, comentando o período em que se assumiu gay.
Saída de São José
Aretha disse nunca ter sofrido um preconceito escancarado em São José do Rio Pardo e nem foi vítima de agressões. “Nunca fui agredida. Claro que tinham pessoas que não gostavam de ter amizade, outras gostavam e aceitavam, mas eu tinha um convivência legal com as pessoas. Tenho alguns amigos em São José do Rio Pardo que gosto muito, estão guardados no meu coração. Mas voltar para São José um dia, acho difícil”, revelou, observando que a última vez em que esteve na cidade, tinha 24 anos. “Foi quando me transformei. A reação não foi muito legal”, contou.
Transformação
Aretha relatou que seu processo de descoberta e transformação, ocorreu aos poucos, mas desde criança já usava roupas femininas. “Eu sempre usei, pegava calça legging da minha mãe, algumas roupas da minha irmã, me trocava escondida na rua”, relembrou.
Ela saiu de São José do Rio Pardo aos 19 anos e foi morar em Ribeirão Preto. O pai a apoiou para sair da cidade. “Em Ribeirão eu conheci o que era ser uma trans. Conheci algumas transexuais, porque em São José não tinha. Nesse momento, eu vi que era isso que eu realmente queria ser. Eu não queria ser um menino afeminado gay, queria ser mulher. Fui me informando, ficando com a aparência mais feminina. Elas (transexuais) foram me explicando, fui estudando sobre isso. Conheci um colega que ia se mudar para São Paulo, e pedi para ir com ele, pois queria arrumar um trabalho lá e me transformar em mulher. Fui com ele, fui conhecendo e fiz a transformação”, explicou.
Constrangimentos
Aretha contou sobre uma situação constrangedora que enfrentou antes da retificação de nome. “Graças a Deus nunca sofri violência nenhuma. Mas já tive muitos constrangimentos. Entre os anos 2000 e 2002, quando a Roberta Close estava tentando a retificarão de nome, eu nunca pensava em fazer. Mas quando eu sofri um constrangimento muito grande em uma loja, percebi que eu tinha que fazer isso. Eu entrei na loja para fazer uma compra, e quando fui pagar com o cartão de crédito, ao invés da atendente perguntar pelo meu RG, chamou direto a viatura da polícia. Não sei se ela sabia que eu era trans ou não, fiquei na dúvida. Ou ela poderia ter achado que roubei o cartão de alguém, foi um constrangimento muito grande. Com isso, entrei com o processo para fazer a retificação de nome”, lembrou.
Luta por respeito
Em comparação com os anos 90, para Aretha, nos dias atuais, ficou mais fácil se assumir. “Hoje, nós trans, conseguimos emprego, antes não conseguíamos, estamos conseguindo estudar. Colocamos nosso nome feminino ou masculino no RG, conseguimos cirurgia pelo SUS. Nessa área evoluímos muito. Mas de resto, não mudou muita coisa, a violência continua. Brigamos tanto com os héteros pelo respeito, mas os próprios gays, lésbicas e transexuais não se respeitam. Acho que tem um pouco de hipocrisia. Antigamente para mim, a Parada Gay tinha sentido, hoje em dia, virou um carnaval fora de época. Perdeu o glamour de lutar pelo respeito que todos querem”, desabafou.
“O gay também tem seu preconceito contra trans, contra lésbica, e vice-versa. Essa mentalidade também tem que mudar dentro da nossa classe. Conheço gays que não suportam gays femininos, transexual, e que as vezes partem até para a agressão. Não adianta brigarmos por uma coisa, sendo que o preconceito dentro da classe existe. Isso causa conflito”, disse.
“Primeiramente nós temos que mudar, para depois tentar mudar o próximo. As crianças não nascem com preconceito. Elas aprendem a ter. Os pais que realmente amam seus filhos, quando verem uma criança gay, ou trans, acolham. O alicerce familiar é que ajuda. Acredito que o respeito por LGBT tem que ser ensinado e discutido todos os dias, não apenas em uma data específica”, encerrou.