Produto passou a ser fabricado em casa e oferece riscos à saúde
Uma criança de 8 anos sofreu uma grave intoxicação após brincar com Slime. O primeiro produto de brinquedo fabricado pela Mattel, era vendido em uma lata de lixo de plástico e foi introduzido no mercado em fevereiro de 1976. O produto passou a ser fabricado em casa por várias crianças com a ajuda dos adultos e responsáveis, mas oferece riscos à saúde, se não forem tomadas as devidas precauções. A brasilienseLaysla Ximenes, foi internada na UTI de sua cidade, no dia 24 de outubro, ao apresentar graves reações alérgicas e insuficiência renal após brincar com a “massinha”.
Depois de uma semana, diagnósticos de exames feitos em São Paulo apontaram a causa da reação alérgica: intoxicação por ácido bórico, substância presente na água boricada, que é usada como ativador do slime caseiro.
Gazeta do Rio Pardo entrou em contato com Gláucia Maria Marquiti Octaviano, bacharela em Química pelo Instituto de Química de São Carlos – USP para explicar sobre os componentes do ácido e suas consequências.
O que é o ácido bórico? Tem diferença entre essa substância e o bórax?
Gláucia: Bórax é o nome usual dado ao borato de sódio, mineral de ocorrência natural, usualmente comercializado na forma de tetraborato de sódio decahidratado. Seu uso é autorizado pela ANVISA para muitas finalidades: produtos de limpeza, medicamentos, fertilizantes, entre outros.
O ácido bórico é produzido através de reações químicas utilizando boratos como um dos reagentes, e também é autorizado pela ANVISA em diversos produtos. O mais conhecido deles é a Água Boricada, usada como antisséptico, que é vendida em soluções de aproximadamente 3% de ácido bórico, ou seja, em concentração muito menor em comparação com o ácido puro.
Por que o composto é prejudicial à saúde?
Gláucia: O bórax é classificado como perigoso à saúde por vários fabricantes, correspondendo a escala 2 no Diagrama de Hommel, que vai de 0 a 4. São listados efeitos de toxicidade local e sistêmicos. Estas informações não significam, entretanto, que há necessidade de bani-lo em todas suas aplicações.
O grau de toxicidade de um produto depende da sua capacidade de alterar processos biológicos, do tipo destas alterações e do tempo necessário para produzir tais danos. Este grau de toxicidade é determinado de acordo com estudos feitos levando em conta diversas situações e fatores, sendo a comercialização de tal produto aprovada ou não, dependendo do uso a que será destinado. Porém, mesmo produtos considerados seguros podem gerar alergias em uma pequena parte da população. O risco no uso de cada produto depende da toxicidade e também da exposição a ele.
No desenvolvimento de produtos destinados ao público infantil, várias precauções extras são tomadas: o peso corporal da criança é menor se comparado com um adulto, logo a dose mínima necessária para causar danos ao seu organismo também é menor. O comportamento de cada faixa etária também tem influência: um adulto manuseia tais materiais com cautela, e, dependendo do material, utilizando EPIs ( Equipamento de proteção individual), já a criança não terá o cuidado de não deixar a mão ou o brinquedo entrar em contato com a boca, olhos, machucados, entre outros, o que facilita a contaminação.
Por que a substância pode causar insuficiência renal? Além disso, existem outras consequências?
Gláucia: A insuficiência renal é uma das formas de manifestação da toxicidade sistêmica do produto. A toxicidade sistêmica é a capacidade que determinada substância tem de produzir um efeito em local diferente ao que ingressou no organismo. Para que isso ocorra, é necessário que a substância seja absorvida e distribuída pelo corpo.
Entre os casos de intoxicação, são mais comuns os efeitos observados de toxicidade local, em que o dano ocorre no local de contato com a substância em questão. Este tipo de intoxicação geralmente aparece como irritação na pele ou mucosas.
Quais os sintomas de contaminação pelo bórax?
Gláucia: São listados diversos sintomas, sendo os mais comuns: irritação na pele e mucosas, náusea, vômito, diarreia e queda de pressão.
Para ser contaminado, basta que entre em contato com a pele?
Gláucia: O contato com a pele é uma das formas de contaminação, podendo ser perigosa e causar efeitos graves dependendo da quantidade absorvida e distribuída pelo organismo.
Existe outra forma de ativar o slime sem o uso do bórax?
Gláucia: A função do bórax ou da água boricada no slime é dar elasticidade à massa, através das ligações químicas do elemento Boro, comum às duas opções, em um processo semelhante ao de vulcanização da borracha – que é o processo que transforma a borracha natural, produzida com o látex extraído da seringueira, em borracha com as propriedades que estamos acostumados. Existem diversas receitas na internet e a maioria delas contém o bórax ou o ácido bórico “disfarçados” entre seus ingredientes, podendo gerar os mesmos problemas, dependendo da quantidade utilizada. O mais indicado é procurar o slime com selo do Inmetro, e oferece-los às crianças dentro da faixa etária indicada no produto.
Apesar de não ser recomendado produzir e usar o slime caseiro, a receita pode ser aproveitada em atividades práticas nos laboratórios de ciências escolares, com a supervisão de um professor da área, e o uso de todos os EPIs recomendados. Neste caso, se incentiva o interesse pelas ciências de forma lúdica, com riscos muito reduzidos.
Pediatra faz alerta do perigo para as mãos
A pediatra e alergista Priscila Mara de Sordi Lopes também conversou com o jornal sobre as consequências que o contato com a substância do brinquedo caseiro pode causar.
“Temos visto muito ultimamente algumas crianças com dermatite de contato, principalmente nas mãos, que é a área de maior contato quando fabricam o slime, devido ao ácido bórico. Agora que estão descobrindo que a longo prazo, as crianças que ficam manipulando o brinquedo, estão tendo uma intoxicação por boro. É uma substância encontrada em vários lugares no ambiente mas ele é sólido, um cristal. Ele é usado como um ativador para dar liga ao slime caseiro.
A absorção pode ser pela pele ou por via respiratória. A criança vai inalando e a substância acumula no organismo. Temos as intoxicações leves que apresentam vômito, dermatite, diarreia. E em casos graves, como o da Laysla, algumas crianças apresentam desidratação, alteração do sistema nervoso central, convulsões e até insuficiência renal.
Por Júlia Sartori