Um dos primeiros sintomas, em 30% dos casos, é a perda de visão, esclarece o neurologista clínico João Carlos Pizani
Em agosto é comemorado o mês de “Conscientização Sobre Esclerose Múltipla”, denominado “Agosto Laranja”. No dia 30, comemora-se o Dia Nacional de Conscientização dessa doença desde o ano de 2006. Trata-se de uma enfermidade rara, que atinge 2,5 milhões de pessoas no mundo. Estima-se que existam 15 indivíduos com EM (Esclerose Múltipla) para cada 100 mil pessoas no Brasil, resultando, em aproximadamente, 35 mil brasileiros com a doença, segundo a ABEM (Associação Brasileira de Esclerose Múltipla). De acordo com pesquisas, a EM acomete de duas a três vezes mais mulheres do que homens.
Para falar sobre o assunto , Gazeta ouviu o neurologista clínico João Carlos Pizani, que explicou detalhadamente sobre a doença, que poucas pessoas conhecem, esclarecendo desde as dúvidas mais comuns, até as mais complexas.
“Chamamos a EM de doença neurológica degenerativa, crônica e progressiva, que tem o caráter autoimune e inflamatório. Por algum erro do sistema de defesa do organismo, no caso dessa doença, ele produz células, anticorpos, que erroneamente irão atacar o sistema nervoso central. O encéfalo, o cérebro, o tronco cerebral e toda a medula espinhal são atingidos pela esclerose múltipla. Temos uma capa que reveste o nervo, que chamamos de bainha de mielina. Essas células de defesa de quem têm EM começam a produzir anticorpos que vão destruindo essa capa de mielina. A partir daí, tem o termo múltiplo, porque são várias áreas atingidas pela doença”, disse o médico.
Sintomas e diagnóstico
“Um dos primeiros sintomas que surgem em 30% dos casos é a perda de visão de um lado só. Muitas vezes o paciente procura um oftalmologista, porque ele está perdendo a visão, e pelo exame que o médico faz, ele vê que o nervo óptico está inflamado, inchado. Mas pode atingir outras áreas. Em um primeiro surto, o paciente pode ter sintomas parecidos com AVC. Pode ter um lado do corpo paralisado, formigamento, alteração de sensibilidade, a pessoa pode sentir um lado adormecido, pode ter um quadro de tontura, desequilíbrio intenso, dificuldade na coordenação motora, sintomas na medula, que chamamos de mielite, que é quando o paciente apresenta uma perda súbita de força nas pernas, normalmente acompanhado de incontinência urinária. São sintomas variáveis, vai depender da área acometida, mas como pode atingir todo o sistema nervoso central, é preciso ficar atento a esses sintomas”, informou.
“Fazemos o diagnóstico baseado nos sintomas, no déficit neurológico, acompanhado do exame de imagem. No caso da esclerose múltipla, é a ressonância magnética do crânio e da medula. A tomografia, por exemplo, não serve para diagnosticar essa doença. Além disso, é um diagnóstico de exclusão, descartamos outras doenças para confirmar a EM. É feito também um exame de líquor da espinha, e exames laboratoriais de sangue”, completou.
Tipos clínicos de EM
“As pessoas tem surtos. Permanecem um período estável e depois apresentam esse quadro de surtos. A maioria dos casos de EM, chamamos de surtos recorrentes, que atinge quase 85% das pessoas com a doença. Nesse caso, ela tem esse surto, melhora um pouquinho, e depois permanece estável”, contou.
“O segundo caso, chamamos de primariamente progressiva, a pessoa não tem surtos, vai piorando lentamente os sintomas. Esse caso é mais raro de acontecer”, destacou. “Outros pacientes tem a EM secundariamente progressiva, que é uma piora gradual acompanhada de surtos”.
Acometimento
Segundo o neurologista, a esclerose múltipla acomete principalmente mulheres jovens, na faixa de 20 a 40 anos de idade, e predomina em pessoas brancas. “Acredita-se que as alterações genéticas relacionadas a cromossomos femininos, podem ter uma relação com a doença, mas esse fator não está totalmente esclarecido”, afirmou.
“As mulheres que possuem esclerose múltipla, e que querem ter filhos, isso é possível. Elas podem levar uma gestação. Mas precisam se programar. Durante a fase da gravidez, é como se isso protegesse a mulher dos surtos. Mas depois do parto, os surtos podem aumentar. Tem alguns medicamentos que podem ser usados durante a gestação, que não apresentam problemas para o feto, alguns outros precisam ser suspensos”, informou.
“Existe uma predisposição genética a ter a doença, a pessoa nasce com alterações genéticas, e tem outros fatores que ainda não estão totalmente definidos. Existem alguns tipos de vírus como Epstein–Barr, que podem desencadear a EM. Algumas teorias apontam que falta de exposição solar e vitamina D é um fator. Sabemos que a doença é mais predominante na América do Norte e na Europa, do que nos trópicos. No Brasil, por exemplo, a EM é muito mais prevalente no sul e sudeste, do que norte e nordeste”.
Evolução
“Se o paciente chega ao médico e é diagnosticado cedo, consegue ter uma vida relativamente normal. Quando a pessoa demora para descobrir a doença, isso pode atrapalhar. Infelizmente, quando alguns pacientes chegam nas mãos do neurologista clínico, já chegam em um estado mais avançado, o que atrapalha a qualidade de vida dele. Hoje, quando a doença é descoberta no início, a pessoa tem uma sobrevida longa. Não sabemos ainda até quando é essa sobrevida, porque como são medicamentos recentes, de 20 anos para cá, aparentemente a sobrevida do paciente vai ser normal. Porém ainda existem alguns casos malignos em que as pessoas vão a óbito em decorrência da EM”, explicou.
“Antigamente podíamos falar que a esclerose múltipla era um corredor da morte. Hoje mudou muito. Entre as doenças da neurologia, talvez seja a que mais evoluiu positivamente do ponto de vista médico”, completou.
Tratamento
“Até a década de 80, no início dos anos 90, a esclerose múltipla era considerada uma doença fatal, existiam poucos tipos de tratamento na época. Basicamente, tínhamos o uso dos corticoides, que eram utilizados para tratar os surtos. Esses medicamentos continuam sendo usados. A partir da década de 90, surgiu o medicamento imunomodulador, são remédios que controlam a imunidade e impedem os surtos da EM. Hoje, a evolução foi muito grande na imunologia voltada para esclerose múltipla. Temos os primeiros medicamentos que foram os interferons, que ainda são usados e tem uma boa resposta, são injetáveis. Alguns medicamentos o próprio paciente pode aplicar, assim como é feito com a insulina no caso de diabéticos. Hoje em dia temos medicamentos que são administrados via oral. Para alguns casos que não evoluem bem, temos outros medicamentos mais modernos, assim como o transplante autólogo de células tronco. Como as células de defesa são produzidas na medula óssea, é retirada a medula desse paciente, injetada uma dose altíssima de quimioterápico para destruir a célula de defesa do paciente, e depois é reinjetado no próprio paciente para ele voltar a ter uma produção de células normais”, relatou João.
Prevenção
“Não temos um tratamento que impeça a doença de se desenvolver. Saiu uma nota há um tempo, falando que para prevenir, as pessoas tinham que tomar altas doses de vitamina D, mas isso não foi comprovado, é até um charlatanismo que ocorreu na questão da EM, não houve nenhuma comprovação a esse respeito. Nossa recomendação, é que devemos manter os níveis de vitamina D, normais, mas nada em excesso”, encerrou.
Por Júlia Sartori