Gazeta Do Rio Pardo

Somos poucos

Somos poucos os que se apaixonam nessa idade.

Somos poucos os que não trocam de canal diante de um filme em preto e branco. Poucos, bem poucos, os que param o que estão fazendo para ouvir um sino.

Não mais do que algumas dezenas os que choram por motivos engraçados. Poucos os que se orgulham de ter tão poucos amigos. Os que não matam a abelha que de repente pousou no braço.

Poucos os que, nas churrascarias rodízio, se esbaldam mesmo é com o bufê de saladas – particularmente com as azeitonas. A imensa minoria que não se conforma em não poder visitar Saturno, e que não engoliu muito essa história de que zero é um número par.

Aqueles que, à primeira brisa que anuncia o outono, não correm para pôr um casaquinho. Caberíamos numa Kombi os que vibram com o sucesso dos chegados. Numa canoa os que morrem de pena da cobrança imposta os gênios.

Somos o motivo das bulas detalhadas e daqueles programas que dão traço de audiência ainda estarem no ar. Os heróis da resistência sem heroísmo algum.

Daqueles raros que gostam quando, na viagem noturna, o ônibus para na rodoviária de cada povoado que encontra pela frente – alguns nem rodoviária têm, os passageiros descem numa esquina silenciosa, onde são recepcionados por um cachorro de rua abanando o rabo. Somos daqueles dois ou três que só descem na parada final, e chegam tão tarde que não há mais táxis disponíveis, e o jeito é ir pra casa andando.

Somos poucos os que conservam pelos carteiros uma inexplicável simpatia. Aqueles que preferem o sonho vulgar da padaria da esquina ao cheio de nove horas da doceria do shopping. Que fazem a barba só e precisamente de nove em nove dias. Que, no famoso desenho, acha a rainha mais bonita que a Branca de Neve: a beleza de uma lembra Greta Garbo; a da outra, em Minas a gente encontra às pencas.

Cada vez em menor número os que, hoje em dia, ainda acham o Brasil bacanérrimo. Mesmo entre nós, dois desistiram ano passado. Pensamos em criar um novo país, mas somos tão poucos.

Lotaríamos apenas um ônibus os que conseguem achar um casal de tico-tico escondido nas folhagens. Caberíamos numa sala pequena os que sabem as regras do jogo de gude. Os que fumam um cigarro por ano, e que gostam o mesmo tanto de Baden Baden quanto de Tiradentes.

Muito poucos os que contam com a admiração da família mesmo sem saber fritar um ovo ou o que fazer com uma chave de fenda. Os que se alegram com a aparição de uma lagartixa em casa, leem Antonio Machado no original e vão à ópera no mesmo dia em que o médico deu a notícia.

Somos poucos, mas muito orgulhosos. Um punhadinho de orgulhosos.

Cássio Zanatta