Gazeta Do Rio Pardo

Simplificando

Simplificando

De repente, o sujeito percebe que sua vida anda complicada. Resolve então deixar de polvilhar açúcar e canela na banana, só a banana já está bom. Vende o carro, joga fora o cartão de crédito – se nem ele se dá crédito, por que aquele pedacinho de plástico daria? Doa suas camisas novas e fica com as que não pedem mais explicações.

Percebe que metade da mala basta para seguir viagem. Que assistir à onda se entregar e recuar na areia vale todo o tempo. Passa a entender os motivos dos arrepios, deixa de conferir de meia em meia hora as mensagens no celular e concede mais respeito aos furos no tênis.

Ser simples é difícil como dizer não. Ouvir o silêncio, acordar por puro cansaço de dormir. Difícil, não impossível, como seria agradar a todos. Simples como o futebol na tarde de domingo no estádio de uma cidade que nem no mapa está. Assumir os ares de importância de um banco de praça.

Reconhecer a honestidade de um bom vinho, entender o trabalho do tempo, da terra e do homem para que ele esteja ali. Viajar de ônibus à noite, ver as estrelas se revelarem entre os galhos das árvores, mastigando biscoito de polvilho com o único propósito de matar a fome. Agradecer ao motorista a viagem, que dirigir aquele troço todo é tudo, menos simples.

Impressionar-se com a lentidão com que no outono o fim de tarde dá lugar à noite. Captar a umidade das poças. Dar menos opinião. Nas caminhadas, reparar que a chegada é sempre adiante do que se pensava, um ali que só espicha.

Simples como o vento de junho. O raciocínio das galinhas. O giro perfeito do pião enquanto tem força. Nunca complicado como preencher formulários ou abotoar o colarinho da camisa social que não acompanhou o alargar do pescoço.

Prestar atenção a quem está ao lado. Oferecer ajuda antes que lhe peçam. Abaixar-se para falar com criança. A simplicidade pode estar em ter uma vergonha congênita ou gostar de azeitona. Estar tão sereno que nem um coelho se assuste com sua presença. A simplicidade é, antes de tudo, dizer obrigado.

Ser simples é cortar. Ignorar. Cancelar. Podar. Diminuir. Desfazer. Usar verbos crus e, às vezes, duros.

Mas ser simples é nada simples. Porque esperam tanto da gente: que aponte caminhos, compareça ao evento, encaixe tiradas inteligentes ou sarcásticas, não suspire em público e diga certezas que está longe de ter.

O simples é arisco às explicações. Aliás, se exige mais de uma, já deixou de ser. Daí nasce o barro, lodo ou areia movediça que emperra o passo. É preciso pouco treino para ser simples. Chega um tempo (e ele devia ter chegado antes) que complicar dá uma preguiça. Chega a doer as juntas. E esse sol lá fora.