Gazeta Do Rio Pardo

Quer dizer que

Quer dizer que

Quer dizer que, antes de dormir, o assassino toma um leitinho? Quer dizer que a mulher mais linda do prédio, da rua, do bairro sofre de depressão? Que não sou só eu que sinto cócegas no nariz quando as mãos estão ocupadas e é impossível coçar o nariz? Que depois de todos esses anos, a soma dos quadrados dos catetos continua sendo igual ao quadrado da hipotenusa?

Quem diria: longe das câmeras, o galã palita os dentes; o monge tem taras incontroláveis. Como assim, aquela nuvem de noite no céu não é nuvem, é a Via Láctea, bilhões e bilhões de estrelas, tão distantes que parecem uma nuvem, e, para completar o espanto, nosso Sisteminha Solar faz parte dela?

Como pode: seu desafeto ser bom ator e mestre em contar piada? Quer dizer que um ovo por dia não é fatal ao coração? E o tanto de ovo que a gente evitou porque os médicos eram taxativos? Sério mesmo que as moscas, ao contrário dos pernilongos, não voam no escuro?

Cão que ladra morde sim, senhor, sou testemunha. Entrar na piscina depois de almoçar não é morte certa, veja só. Sério que tem prédio que pula do 12° para o 14° andar – não tem o 13° só por superstição? Há mesmo palestinos que não odeiam judeus e vice-versa? Existe então uma esperança quietinha, voando escondida entre os homens e que, de vez em quando, dá o ar da graça (vide a invenção do bambolê)?

E não é que o rádio não morreu, as gravatas sobrevivem, o mundo não acabou coisa alguma, e a única preciosidade que sumiu mesmo foram os Bailes de Aleluia na Associação? Ainda há quem conteste a veracidade do aquecimento global? Quem não reconheça a genialidade de João Gilberto? E vai me dizer que as pessoas ainda descascam caqui e cospem o caroço da jabuticaba – por quê, ó Senhor, por quê?

Ainda não asfaltaram a estrada para São Sebastião da Grama. Ainda não ressuscitaram os chapéus e o quebra-queixo. Nem houve a esperada conciliação entre o gosto de café e a pasta de dentes. Ainda há quem compare Mozart com Beethoven, Pelé a Maradona, Monet a Cezanne, Beatles a Stones, Bandeira com Drummond, sendo que a discussão só faz sentido se for motivo para mais três rodadas no bar.

Quer dizer então que no fim o herói nem sempre é o mais invejado? Que os tropicões ensinam mais que as certezas? Que o crime não compensa, mas não pelos motivos que o Batman ensinou? Que a falta ou o excesso de dinheiro corroem o peito dos homens? Quer dizer que a pessoa parte deste mundo e não se digna a mandar nem um cartãozinho no Natal?

Que ela perguntou por mim, assim, como quem não quer nada? Que o verdadeiro Deus é o tempo? E que seu relógio de uma hora pra outra deu para adiantar?