Não sei explicar o que me deu. Sei que não quis usar o celular, não me pareceu adequado. Peguei o telefone fixo, o mais antigo da casa, todo preto como convém aos fixos, tirei do gancho, esperei o sinal de linha.
E liguei para a casa de meus pais, com os sete números antigos mesmo. Coisa que muito fiz nesta vida, só que dessa vez havia uma diferença: meu pai partiu em 2009 e minha mãe, quatro anos depois.
Não ligo para esse número, portanto, há muito tempo. E me espanta, não o sem-sentido da tentativa, mas o por quê de não tê-la feito antes.
Pasmem: o telefone está tocando do outro lado. Alguém vai atender? Se sim, meu pai primeiro vai dar aquele pigarro, como fez a vida toda, antes de dizer “alô?” com ênfase no a, como se o acento estivesse ali. Então lhe darei os parabéns pela vitória do Corinthians. Talvez assim disfarçasse o impacto de voltar a ouvir sua voz.
Como de costume, passados alguns segundos, minha mãe vai pegar a extensão e por um tempo assumir a conversa, meu pai só ouvindo.
O que eu lhes diria? Deus do céu, devo dizer alguma coisa ou só escutar aquelas vozes? Não, eu não iria aguentar, diria num afobamento que viessem nos ver imediatamente, a mim, Beatriz e as crianças – estão tão lindas, não são mais crianças (como se o tempo no caso obedecesse às normalidades). Ou me dissessem onde encontrá-los, pego o carro e vou já para aí; seja onde for o aí, juro que chego num minuto – tão rápido que até o verbo já foi para o Presente.
O telefone continua tocando. E se atender uma voz estranha, o que vou dizer? A verdade a faria desligar na minha cara e chamar a polícia – ou, muito justo, o manicômio.
O telefone continua tocando. Talvez eu tenha ligado na hora errada. Papai deve estar no Centro, trabalhando na loja, e mamãe na feira. Ou, já aposentado, papai está flanando por aí, à procura de uma prosa que compense, e minha mãe, ajudando madrinha Rosa a fazer goiabadas.
O telefone continua tocando. Minha mãe deve estar mais velhinha. Será que vai fazer como a vó, que, já não ouvindo bem, nem deixava o outro lado falar, dizia o que queria num atropelo, sem respiro, e desligava sem se despedir?
O telefone continua tocando. Dois minutos. Alguém atenda, por favor. Dois minutos e meio. Três. Ninguém responde. Desisto, desligo, não deu. Onde eu estava com a cabeça para ter qualquer esperança? Ao menos tentei, ué, nunca se sabe. Ou pior: de muita coisa a gente não sabe. Mas de outras, sabe sim, sabe muito bem.