Gazeta Do Rio Pardo

O estrago da pedra

Era que um garoto de seus 10 anos andava pela calçada. Digo garoto, mas não sei ainda se diz assim, seria melhor menino? Guri (gaúcho demais)? Jovem (meio besta)? Adolescente é palavra de muita pretensão, me recuso. Homem ainda não era, porque homem em geral anda muito sério e preocupado para ficar chutando pedra à toa na calçada.

Pois foi isso que o garoto fez: chutou uma pedra. Chutou com força uma pedra de respeito, no que elogio sua coragem, porque, mesmo calçando um desses tênis modernos, cheios dos reforços e amortecimentos, ela bem podia ter moído seu dedão. Digo ainda: pedra o suficiente para quebrar uma vidraça – coisa que os homens, também não entendo por que razão, se desinteressam de fazer depois de certa idade.

A pedra chutada com força bateu na lateral de um carro estacionado, deixou um arranhão na lataria (felizmente para o garoto, não visto ou ouvido por mais ninguém, muito menos pelo dono do carro) e seguiu seu trajeto, pipocando pelo caminho.

Não, este não é daqueles textos que querem provar que o menor gesto, um simples chutão numa pedra, por exemplo, pode provocar uma sucessão de acontecimentos: quebrar um vaso e fazer o gato gritar de susto, derrubando da escada o trabalhador que consertava o fio da rua, e assim interromper o fornecimento de energia – uma sequência que iria desencadear uma onda que correria o mundo até causar a queda do Primeiro-Ministro japonês.

O fato é que, após danificar a lataria do carro, a pedra voltou saltitante e ainda destemida para a calçada, até encontrar no caminho – e ali se deter – um calcanhar. Um calcanhar feminino, para agravar a história. Um calcanhar feminino já de certa idade, para aumentar o drama. Que fez com que a senhora soltasse um “ai” sincero, se curvasse de dor, e se sentasse no meio da calçada.

O garoto podia muito bem fingir que não viu, que não era com ele, passar assobiando uma música qualquer, tentando ser invisível. Mas não: correu até ela, agachou-se ao seu lado, pediu desculpas, disse que fora ele o culpado, não tivera a intenção e perguntou se estava bem. Ela disse que sim, que não havia problema, “eu também já fui mocinha”, se levantou, desmanchou num cafuné o cabelo do garoto e saiu manquitolando.

Deve ter sido uma menina danada, a senhora. Uma moleca, como dizíamos, também não sei se ainda se diz. Uma menina de botinas, que costumava chutar pedras, jogar de goleira no time da rua, e, mais tarde, a vocalista da banda de rock da turma. Podia ter feito um escândalo, passar sermão no garoto, chamar o guardinha, tascar umas bolsadas, mas não. Acharia até normal se fosse a situação inversa: que fosse ela a bater o tiro de meta numa pedra e esta encontrasse o calcanhar do menino, que menos dor causaria, devido ao eficaz amortecimento dos tênis modernos já citados. Donde concluo (pouco cientificamente) que as pessoas que chutam pedras na rua garantem a todos um futuro mais simpático e sorridente. Meninas, garotos, moças ou senhores. Agora que você sabe, em frente. Ainda dá tempo. Mas devagar com o chute, controle a força, use mais pontaria que potência. Ou a coisa pode sair do controle, a sequência ganhar o mundo e acabar derrubando o coitado do Primeiro-Ministro japonês, que não tinha nada a ver com a história.