Gazeta Do Rio Pardo

Psicólogo detalha as dificuldades emocionais causadas pela Covid-19

Ângelo Missura: ecologia é a parte afetada de forma mais positiva com essa pandemia

Por outro lado, Ângelo Missura assegura que elas passarão e que afetarão a nossa forma de viver

O psicólogo Ângelo Missura foi um dos entrevistados desta semana do departamento de jornalismo da Difusora FM/Gazeta do Rio Pardo. O objetivo da entrevista foi questiona-lo sobre a influência do Covid-19 na parte psicológica das pessoas e como elas podem lidar com os problemas que possivelmente ocorram a partir dos aspectos financeiros, emocionais e de saúde que a doença vem acarretando em todo o mundo.

Ângelo disse inicialmente que os profissionais da área têm autorização do Conselho Federal da categoria para atender a maioria dos pacientes online. Uma minoria, os casos mais delicados, podem ter atendimento presencial, mas seguindo os cuidados preconizados pelas autoridades da Saúde quanto a distanciamento físico, higienização etc.

“Às pessoas que precisam e que, neste período, ficam mais atormentadas e atordoadas, temos o escape da via online. Temos o escape também de as pessoas buscarem o autocontrole, o autoconhecimento através de livros e leituras saudáveis”, explicou, fazendo entretanto uma ressalva: “Cuidado com as redes sociais, com as notícias falsas e fake news, que fazem com que as pessoas fiquem mais perturbadas e apavoradas”.

Ele recomenda que se busque fontes seguras de notícias, especialistas falando sobre os assuntos em foco. “O isolamento social é uma condição que não deve fazer com que a gente pare de conviver com as pessoas. Vamos ter que reinventar formas de convivência e uma delas talvez seja através das redes sociais”, previu.

Ângelo lembra que a grande “mágica” da terapia da fala é que ela expõe os conflitos interiores de quem fala, tornando-o(a) mais leve. “A gente precisa conversar. O computador, por exemplo, é uma máquina, mas do outro lado tem uma pessoa. Então, o afeto pode passar por essa via de tecnologia, se não a gente vai enlouquecer, o que não é saudável”.

Ele recorda que o atendimento online de psicólogos com pacientes já ocorria há algum tempo, mas de forma ainda burocrática. Com o coronavírus, isso se intensificou após a liberação autorizada pelo Conselho de Psicologia, mas também dentro de normas a serem observadas.

Rotinas saudáveis

Ângelo Missura diz que, neste momento de isolamento social, é necessário que se crie um programa de saúde mental na própria casa de cada pessoa. “É importante que você continue tendo a sua rotina, não fazendo, por exemplo, que um dia útil da semana seja transformado em domingo. Isso significa não ir a determinados lugares, não ficar de pijama em casa e agir dentro da rotina normal daquele dia”.

Ele recomendou que os casais que ficarem em casa revejam álbuns de fotografias e aproveitem o momento de forma útil, para não desperdiçar as oportunidades que a ocasião está proporcionando.

Três ondas

Indagado se tem atendido gente com pânico ou depressão por conta do coronavírus, o psicólogo diz que por enquanto não. “Mas possivelmente isso ocorrerá depois, numa segunda ou terceira ondas que estão por vir. A primeira onda é de quantos casos graves os hospitais dão conta, a segunda onda será de ordem econômica, com o desemprego e a mudança do dinheiro a nível mundial. E talvez uma terceira onda e aí vem o aspecto emocional. É como num jogo de futebol: enquanto a gente está jogando, não se vê o roxo da contusão, as dores do joelho e o cansaço. Mas acabado o jogo, aí aparecem o roxo, a dor no joelho, o cansaço e no outro dia você não anda. Da mesma forma, a questão emocional vai ser esta terceira onda, quando as pessoas cairão em si e verão que necessitarão se reinventar”.

Ainda sobre a segunda e terceira ondas, o psicólogo frisa que as dificuldades financeiras ocasionadas pelo Covid-19, mais os problemas de vínculos sociais, podem trazer ideias falsas de que a vida não tem valor. “Essa pandemia é um evento que está vindo e que irá passar, mas a gente deve estar atento às sequelas que ela vai deixar. Se você tem um familiar que tem uma propensão à ideação suicida, fique mais atento a ele. É preciso conversar mais com essa pessoa. Se ela não conversa, ouça uma música junto, cuide de plantas juntos ou faça comida juntos. São maneiras também de preservar a saúde mental dentro de casa”.

Reflexões

Ângelo espera que essa pandemia traga reflexões sobre o que cada pessoa está fazendo com a própria vida. Lembra que a convivência familiar forçada pelo isolamento social traz muitos conflitos decorrentes das diferenças entre homem e mulher, adultos e crianças etc. “É preciso ser capaz de respeitar o outro”, advertiu. “Mas este é um dos pontos difíceis que causam muitos problemas nos dias atuais”.

“Tenho fé e esperança de que iremos ter um mundo melhor. A gente irá repensar o nosso consumo, a nossa forma exagerada de viver, pois chegamos ao ponto de muitos exageros. O ser humano não dá conta. Ele criou a inteligência artificial, as redes globalizadas, mas a gente não está dando conta pois somos lentos. Nossa digestão é lenta, nossa compreensão é lenta”.

Reforçando este raciocínio, o psicólogo lembra ter visto uma pesquisa atual que mostra que os jovens de hoje, quando acessam um site e este demora 3 segundos para aparecer, eles mudam de site. “E pensar que somos da época da internet discada…A gente ligava a internet e ia tomar banho”, comparou. “Mas essa urgência do tempo criará quadros fortes de ansiedade e quadros fortes de pânico, ambos ligados a uma condição fora do tempo: ou você está no passado e fica com depressão ou você está no futuro e fica com ansiedade. A ansiedade é você viver fora do tempo”.

Viver o hoje

Ângelo acha que, nesse aspecto, a pandemia está trazendo as pessoas para viverem o tempo atual, tendo que esperar e viver o dia de hoje, tendo a paciência para ver que a natureza tem um tempo para se desenvolver. “Inclusive o aspecto mais beneficiado com essa pandemia é o ecológico. Os rios estão menos contaminados, o ar está menos poluído. Não é à toa que essa doença pegou apenas em pessoas, não em árvores ou bichos. Mas não é momento de pânico de forma alguma, mas de reflexão e de consciência coletiva”.

Esse foi outro aspecto reforçado pelo psicólogo na entrevista: o coletivo. “Vivemos num mesmo planeta. Não adianta querer achar que em outro lugar vai ser diferente porque esta é uma patologia que está pegando a todos, países ricos, países pobres, gente branca, gente negra, gente colorida…Tanto faz! Está pegando todos e trará mais essa consciência da coletividade”, reforçou.

O sábio e a peste

Frisando que toda esta situação de pandemia é passageira, ele mencionou uma lenda: “Um sábio encontrou uma peste e perguntou a ela: Aonde você está indo? Ela respondeu: Estou indo naquela cidade para matar 10 mil pessoas. Passado um tempo, o sábio voltou a encontrar a peste e disse a ela: Você mentiu para mim, você matou 100 mil pessoas. A peste disse: Não, eu matei 10 mil, os outros morreram de medo. Então é preciso tirar essa ideia do pânico porque há meios de a gente se cuidar”.

Mencionou que o brasileiro não tem a cultura de lavar as mãos, hábito que os da roça, antigamente, já praticavam, além de deixar o sapatão fora da casa quando chegavam do trabalho.  “O brasileiro, na história de limpeza, tem esta deficiência, mas precisamos recuperar esse modo, não entrar neste pânico porque essa pandemia vai passar. Ela pode demorar um pouco, mas irá passar e quando ela passar, a gente tem que se tornar uma pessoa melhor, com mais consciência de onde estamos vivendo e como estamos vivendo”, prosseguiu. “Isso é saúde mental”.

O TOC

Ângelo Missura argumenta que pessoas que têm o problema de TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo, caracterizado por pensamentos e medos irracionais, obsessões, que levam a comportamentos compulsivos) têm mais dificuldades em momentos como esses em que vivemos. “Pessoas que têm esse problema ficarão ainda mais aguçadas, com obsessão exacerbada por limpeza a todo momento. Os depressivos e quem tem síndrome do pânico também podem ser muito afetados por serem muito suscetíveis a ideias negativas, ideias de fim do mundo ou ideias suicidas, ideias de que a vida não tem mais sentido”.

O psicólogo recomenda muito cuidado para tais pessoas ou para quem conviver com elas. “Se não puderem ser atendidas presencialmente, necessitam buscar atendimento online, um socorro com alguém, com um familiar, para tentar tirar essas ideias negativas da cabeça”.

“Gosto de diferenciar a tristeza da depressão. Tristeza é um estado normal da vida. Depressão é um estado de muita tristeza que leva a um quadro patológico, razão pela qual, muitas vezes, requer medicação. Aí entra a psiquiatria, que irá ajudar a gente no aspecto bioquímico da pessoa, associado ao tratamento psicológico em que ela irá aprender a pensar. Remédio não ensina a gente a pensar”.

Solidão X Isolamento

Ângelo também diferencia solidão de isolamento. “A solidão te traz ideia de você não ser amado, não ser querido por alguém. O isolamento diz que as pessoas podem ter deixado de gostar de você, mas isso é uma fantasia pois é circunstancial. Essa é uma hora de continuar no isolamento sem estar só, reaver os amigos antigos através dos álbuns de fotografia ou de formatura. Isolamento é uma coisa, solidão é outra. Solidão é um sentimento que, às vezes, brota dentro de nós ou nós cultivamos ele para remoer passado, remoer mágoas, rancores e aí a pessoa vai ficando amarga. Isso é perigoso, mas hoje com a internet há uma vastidão de relacionamentos que a gente pode ter”.

Por fim, o psicólogo afirma que as pessoas precisam estar atentas a 4 pontos importantes da saúde mental: o sono, a alimentação, a vida social e o desempenho escolar (este último, no tocante a crianças). “Esses quatro pontos, quando estão alterados de forma muito intensa, é necessário procurar ajuda. Esses são quadros patológicos. E existem pessoas que procuram ajuda psicológica para se conhecer, conhecer seu inconsciente”, concluiu.