“Meu caso começou ali, bem novinho, eu não tinha nem 14 anos”, recorda o funileiro, que hoje ministra palestras
No dia 18 de fevereiro foi celebrado o Dia Mundial de Combate ao Alcoolismo. Segundo o estudo ‘Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (Lenad)’, 32% da população brasileira bebe de forma moderada e 16% tem um comportamento de consumo de álcool nocivo. Por causa desses índices preocupantes, que pertencem à última década, o Brasil transformou o dia 18 de fevereiro nessa campanha de conscientização.
O álcool mata, todos os anos, 3,3 milhões de pessoas em todo o mundo, número que representa 5,9% das mortes. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram que o consumo da bebida chegou a 8,9 litros por pessoa no Brasil em 2016, superando a média internacional, que era de 6,4 litros.
Pesquisas epidemiológicas brasileiras indicam que há um consumo cada vez mais precoce entre os jovens, e que cerca de 13% da população apresenta um quadro de dependência alcoólica.
Norivaldo Natalino Missura, 58 anos, conhecido como “Amendoim”, é funileiro e palestrante. Ele descobriu o alcoolismo com apenas 13 anos de idade.
“Tudo começou com uma curiosidade em casa. Até os tios, avós, deixavam eu experimentar um pouquinho de bebida. Mas eles não sabiam, na época, que existia a predisposição para o alcoolismo, que é o meu caso. A primeira vez que eu experimentei, gostei. Tem pessoas que não gostam. Meu caso começou ali, bem novinho, eu não tinha nem 14 anos e já havia experimentado pela primeira vez. Eu experimentei tanto a bebida como a maconha, que naquela época era muito difícil de se ver. Mas a gente tinha um círculo de amizade que oferecia isso. Eu tinha medo, mas comecei muito novo”, conta ao jornal.
Tentativas
“Em vários momentos percebi que era hora de parar com a bebida, mas não conseguia. Primeiro que a bebida é uma droga até mais fácil de se encontrar, já que vende em qualquer lugar. Comecei a entender que os meus sonhos tinham ido embora, vazado pelos vãos dos meus dedos, por causa do álcool e da droga. Eu não conseguia mais realizar os meus sonhos. Sempre trabalhei, mas tinha outros sonhos. Minha vontade não era ser funileiro a vida inteira, como sou até hoje. Tentei muitas vezes parar, fiz várias internações”, continua.
“Tentei suicídio várias vezes. Mas Deus tinha um plano na minha vida, e estou aqui até hoje. Tentei pular da ponte Nova, na época, não tinha alambrado, mas não consegui, minhas pernas estavam fracas demais para passar por cima da mureta. Os meus amigos que bebiam e usavam droga comigo, todos eles, sem exceção, já morreram”, lamenta.
Dois meses de vida
“Hoje uso nas minhas palestras, que faço em clínicas como voluntário, o fato de que toda a minha família queria que eu parasse de usar. Mas eu não queria no começo. Então a decisão cabia a mim. Foi muito difícil, foi doído, mas eu tive que tomar essa decisão, pois já estava morrendo. Cheguei a pesar 42 quilos, o médico disse para mim e para minha mãe, que eu tinha dois meses de vida. Que nesse tempo era para avisar a família que eu não tinha mais salvação. Eu tinha uma cirrose muito avançada. Fui colocando isso na cabeça. Estou vivo em 2020, e me lembro que naquela época, falavam que eu não ia passar dos anos 2000. Minha mãe até foi na funerária na época, fez um plano funerário, porque eu já estava no fim mesmo. Mas graças a Deus não usei esse plano”.
Espiritualidade
“Foi no momento mais crucial da minha vida, que resolvi experimentar crack, com 38 anos. Foi com essa idade e nesse momento que conheci um Deus que me deu outra chance. Consegui através da espiritualidade, que descobri dentro dos alcóolicos anônimos, que frequentei muito tempo, que nossa doença é física, mental e espiritual. Eu entendi que a parte física era eu, a espiritual era algo acima de mim, e minha parte mental, dependia de mim. Se eu fizesse minha parte física, não usando mais substância nenhuma, e acreditasse em Deus, o meu lado mental ficaria limpo. Eu passaria a interpretar as coisas como fazia antes de me envolver com o álcool”, prossegue Norivaldo.
“Foi há quase 21 anos que me encontrei. Acredito em Deus, e para mim ele não é religião, ele é o mesmo Deus de todas as pessoas. Eu consegui superar, não sozinho, mas através da clínica, de Deus, e da minha boa vontade. Se eu não tivesse vontade, não teria parado”, explica.
Arrependimentos
“Me arrependi de inúmeras coisas, fiz muita gente sofrer. Fui casado quatro vezes, e na época foi meu primeiro casamento. Não fui homem e nem pai para cuidar dos meus filhos. Reconheço isso hoje. Mas eu não posso me arrepender do que já passou. Já me retratei com Deus e com as pessoas que fiz sofrer. Hoje, eu só tenho um arrependimento. Não ter estudado. Hoje em dia não conseguimos fazer nada sem um diploma. Não só pelo diploma, mas hoje em dia quem não estuda, não tem nada. Estudar é sabedoria, e eu não tive. Abandonei tudo por causa da bebida e das drogas”.
Ajuda voluntária
“Faço um trabalho na Clínica Pevi, toda segunda-feira, das 7h30 às 9h00. Levo a Bíblia, faço um trabalho de 12 passos e levo um violão, gosto bastante de trabalhar a música com as pessoas”.
“Meu foco hoje é ajudar. Mesmo trabalhando como funileiro eu estou sempre com as portas abertas, muita gente me procura, pais, mães, adictos. Deus me dá a chance de poder ajudar essas pessoas. Não é fácil sair desse meio. Mas também não é difícil tentar. Temos que tentar e tomar a própria decisão. Eu tomei a minha no dia 17 de abril de 1999. Tive a oportunidade de ter esse encontro com pessoas que queriam me ver bem”, completa.
Norivaldo trabalha na Rua Curupaitti, 721. Aos interessados em entrar em contato com ele para palestras, ou para pedir ajuda, o telefone é (19)99381-3383.
“A maneira mais fácil de sair das drogas, é não entrar. Pensem bem nisso”, encerra.
Terapeuta holístico revela os efeitos do álcool no organismo
A Gazeta do Rio Pardo entrevistou o terapeuta holístico, Gustavo Magalhães de Andrade Castro, para explicar sobre os efeitos do álcool na vida e no organismo do dependente. Além disso, Gustavo falou sobre abstinência e tratamento.
Por que a recuperação do alcoolismo é considerada uma das mais difíceis?
Gustavo: Por ser uma droga descriminalizada. É uma droga lícita, em qualquer esquina, bar, ela está acessível, e com um preço muito barato. A recuperação é mais difícil pelo fácil acesso, baixo custo e pela aceitação da sociedade. O tratamento é difícil também pelo seguinte, na escala da OMS, das drogas que mais causam dependência física, o álcool é o segundo, vem depois da heroína. As crises de abstinência do álcool são muito fortes.
Quais os efeitos do álcool no organismo?
Gustavo: Alteração na capacidade de raciocínio, altera a sensação de percepção, coordenação motora, o indivíduo pode ter um apagão, ou seja, blackout alcóolico, perde o reflexo, a capacidade de fazer julgamento do que é certo ou errado, e pode levar a um coma alcóolico.
Quanto tempo em média dura o tratamento, até que o paciente saia da fase de abstinência?
Gustavo: O tempo em média para o tratamento de um paciente alcoolista, varia. Mas é basicamente 90 dias de desintoxicação, e mais 90 dias de um programa para prevenção de recaída, conscientização, e é elaborada uma estratégia de enfrentamentos para situações de risco, que podem levar a pessoa a uma recaída.
As crises de abstinência do álcool são muito fortes. Podem causar delírios, tremedeira, e a pessoa pode até chegar a um grau de demência alcóolica.
Quais os problemas de saúde ocasionados pelo álcool?
Gustavo: O primeiro órgão afetado é o cérebro, que pode perder a capacidade de comunicação entre seus neurotransmissores com o tempo. Depois disso atinge o fígado, que pode causar a cirrose, que é o grande vilão da bebida, a doença apresenta um número expressivo de mortes. Com o tempo acaba atrapalhando todos os outros órgãos.
Quando a pessoa se recupera, ela não poderá mais ingerir nenhum tipo de bebida alcoólica?
Gustavo: A pessoa sempre estará em processo de recuperação. Ela terá que fazer uma manutenção da recuperação. A doença não tem cura, conseguimos estaciona-la. O indivíduo pode ter uma vida normal, só que ele não pode fazer uso de nenhuma bebida alcoólica de novo. Ou então ele voltará para o grau de onde a doença tinha estacionado.
Por Júlia Sartori