Aos 86 anos, ela recorda alguns fatos marcantes de sua vida, incluindo a perda de filhos
Por conta do Dia Internacional da Mulher, comemorado em 9 de março, a rádio Difusora entrevistou segunda-feira Dona Esméria, de 86 anos. Ela lembrou sua infância, a juventude em São Paulo, a volta para a Fazenda Itaiquara em 1954, a tragédia da perda de seu filho Henrique e, no final, leu um breve texto de uma neta que reside na Alemanha sobre a imagem que a mulher brasileira tem naquele país.
Maria Esméria Bravo Caldeira do Amaral Mesquita nasceu na Fazenda Itaiquara, sendo a quarta de seis filhos. Batizada no dia 24 de janeiro, seus pais a colocaram sob os cuidados de governantas alemãs, cuja característica principal era a disciplina e isso a influenciou positivamente.
Com 3 ou 4 anos ela foi com a família morar em São Paulo, pois o irmão mais velho foi estudar lá. Maria Esméria estudou, dos 5 aos 18 anos, no Colégio das Cônegas de Santo Agostinho, na capital paulista, o que reforçou seu apego à religião católica.
Dona Esméria conta que sua mãe lhe indagava o que ela queria ser quando crescesse e a resposta era curiosa: “Quero ser mãe de 12 filhos”. Quando chegou à juventude e escutava palestras sobre o Papa Pio XII, ouviu uma frase dele que dizia ser “melhor aumentar os comensais (os que comem sobre a mesa) do que reduzir a comida sobre a mesa”. Reagiu pensando assim: “Isso que eu quero. Quero ter bastante comida para distribuir e bastante gente para comer”.
Começou a namorar seu futuro marido João do Amaral Mesquita e impôs dois desejos: frequentar a igreja católica e ter 12 filhos. Ele concordou e o casal teve 11 filhos, adotando o décimo segundo. “Ficamos contentes em adota-lo, foi tudo bem no início, mas depois foi mais difícil a vida dele. Ele se envolveu com drogas, teve muitos problemas, mas graças a Deus superou tudo e hoje ele vive muito bem, ajuizado e está ótimo”, revelou.
“Desses 12 filhos, eu perdi três. Nove se casaram e tenho 30 netos, 16 bisnetos e estão para nascer mais três. Sou muito feliz com minha família, que é unida, alegre, todos se querem bem, todos se entendem. Sempre digo: Haja milho para ajoelhar a Deus e agradecer por tantos filhos e uma família tão boa”, reforçou.
Na Itaiquara, desde 1954
Dona Esméria conta que sua ligação com a Usina Itaiquara começou com o casamento de seu avô João Batista Lima de Figueiredo, natural de Mococa, mas que se casou com Esméria Ribeiro do Valle, filha do conde de Guaxupé. Ambos eram de famílias ricas e herdaram uma parte da Fazenda Itaiquara.
O casal fez com que a Mogiana passasse a linha férrea a poucos metros da sede da fazenda. João Batista imaginou então ampliar o plantio de cana, que já existia, para a produção de açúcar e conseguiu, junto ao Banco F.Barreto, de Mococa, financiar o maquinário necessário, que teria que ser importado. A primeira safra aconteceu em 1911. Foi, porém, somente em 1954 que João do Amaral e Maria Esméria se mudaram para a Fazenda Itaiquara e ele passou a administra-la.
“Mas hoje a Itaiquara não vai bem e a situação econômica é muito ruim. Tenho esperança que ela continue em qualquer mão. Tem uma igreja muito bonita, a casa grande é bonita também e toda aquela paisagem. Mas não sinto assim apego se eu precisar ir embora, a minha vontade é que ela continue e vá sempre pra frente”, afirmou a entrevistada.
Acidente que vitimou o filho Henrique
Dona Esméria admite ter passado por muitas situações difíceis e destacou uma: “Foi o falecimento do Henrique, meu terceiro filho. Ele trabalhava na Usina também e faleceu no campo de aviação do Olavo Barbosa, fato que foi muito noticiado na ocasião. Foi um acidente terrível porque o avião, levantando voo, já pegou fogo. O piloto conseguiu voltar, mas caiu no chão ali, grudado na pista. Telefonaram pra mim dizendo: ‘Seu filho foi para Passos hoje?’ Eu disse que não sabia. ‘É que aconteceu um acidente, lá no Olavo Barbosa’. “
“Fui com meu filho Luis para lá e encontrei fumaça ainda saindo do avião e o Henrique havia se esforçado para sair do avião, com as pernas pra fora, mas já estava muito queimado, sem nariz e orelha. Foi algo que vocês não fazem ideia. Eu ajoelhei e disse a Deus: ‘Esse filho estou devolvendo para o Senhor. Única coisa que quero é que ele seja feliz, que o Senhor o acolha e que ele tenha felicidade eterna’. Rezei assim um pouco e, pronto, fui embora”, continuou.
“Assim, sempre que me acontecia alguma coisa, a primeira coisa que fazia e faço é colocar nas mãos de Deus. Ele é tudo. Nesse caso do Henrique, não pensei em mim, mas nos outros filhos pois o que quero mesmo é que eles sejam felizes. É pra isso eu rezo e coloco tudo nas mãos de Deus. Aprendi na igreja que quando você está sofrendo, olhe para quem está ao seu lado e ama. E isso que eu fazia sempre e assim superei tantas coisas”.
Colunista da Gazeta
Muito amiga da Lurdinha Fontão, que tinha uma coluna na Gazeta do Rio Pardo, Dona Esméria foi solicitada por dom Orani a escrever no lugar dela (após Lurdinha falecer). Escreveu uma vez, escreveu outra vez e aí lhe foi pedido que não parasse mais, o que ela atendeu e permanece até hoje.
Imagem da mulher brasileira na Alemanha
Tendo netas residindo na Alemanha, Dona Esméria leu, na entrevista concedida à Difusora, o que uma delas escreveu sobre a impressão que a mulher brasileira transmite lá fora.
“Acho que a imagem da mulher brasileira aqui na Alemanha ainda está muito presa aos estereótipos e clichês que são vinculados ao Brasil. Nesse contexto, a mulher brasileira é vista como uma mulher mulata, sempre alegre, muito linda, hiper sexualizada e, por vezes, objetificada mesmo. Mística, boa dançarina, uma figura extremamente feminina e sensual. Ou , por outro lado, também uma mulher muito maternal, o que é complicado porque atrapalha as pessoas de enxergarem a diversidade que existe entre as mulheres”.
A neta continua: “Muita gente se surpreende quando descobre que sou brasileira, pois afinal não sou nem preta. Como posso ser brasileira? Enfim, é uma visão cheia de clichê. Particularmente em Berlim, vejo nos últimos anos pra cá uma mudança nessa imagem. Estereótipos perdem força aqui nessa cidade, que hoje é formada por imigrantes, muitos deles também brasileiros, com muitas mulheres. Berlim é muito politizada e a luta das mulheres no Brasil ganhou aqui visibilidade. Isso colabora para uma visão diferente da mulher brasileira, mais ligada ao trabalho e à luta, feminista e racial, com muita repercussão, por exemplo, do assassinato da Mariele Franco”.