Segundo o médico, a taxa de mortalidade é ‘muito alta’ quando o paciente desenvolve a doença
Desde o aparecimento da Covid-19 no mundo, vários estudos científicos comprovaram que a infecção pelo vírus pode ocasionar problemas de saúde graves, como doenças pulmonares, cardiovasculares, renais e até mesmo neurológicas. O coração é um dos órgãos mais afetados pelo coronavírus. Já se sabe que pacientes com comorbidades cardíacas estão mais sujeitos à versões severas da doença. Por outro lado, a Covid-19 favorece síndromes coronárias agudas, arritmia, isquemia miocárdica, falência cardíaca e miocardites.
O médico clínico geral, Dr. José Roberto Merli, que atua em São José do Rio Pardo há 40 anos, concedeu uma entrevista ao jornal e à Difusora e falou sobre como o coronavírus afeta o sistema cardíaco, causando a miocardite viral. O médico falou também sobre a busca por atendimentos em sua clínica durante a pandemia, e sobre o estilo de vida dos idosos que atende.
Como têm sido a procura por atendimento em sua clínica durante a pandemia? De maneira geral, o senhor acredita que as pessoas estão procurando mais atendimento médico, ou estão evitando por medo de uma possível contaminação?
Dr. Merli: Houve um decréscimo já esperado pela procura de consulta médica no consultório. A população havia sido alertada para que fosse ao médico, somente se realmente precisassem. As pessoas que possuem comorbidades não devem ficar escondidas e deixar de procurar atendimento. Mas muitas pessoas que não tem algo grave, estão deixando de ir ao consultório por medo da Covid. Houve sim uma diminuição no número de consultas e de procedimentos feitos dentro da classe médica. Mas não é por isso que as pessoas deixaram de cuidar de si.
O senhor atende muitos pacientes com problemas cardíacos. Quais as consequências do coronavírus para pessoas que possuem esse tipo de doença? O que o vírus pode desencadear?
Dr. Merli: É uma doença trombogênica, ela forma coágulos sanguíneos que obstruem as artérias do coração, cerebrais, intestinais. O paciente que é hipertenso já tem uma propensão em formar o tromboembolismo. Quando o indivíduo pega Covid, a formação de coágulos ganha uma força muito grande. A ocorrência de fenômenos tromboembólicos, aumenta muito no paciente diabético, hipertenso e coronariano. É preciso tomar muito cuidado, esses pacientes podem ter complicações graves em decorrência da Covid. Temos casos de pessoas que estavam indo bem com a hipertensão arterial e quando pegaram a doença, a pressão ficou descompensada, a Covid retoma as doenças pré-existentes.
Estudos apontam que a Covid-19 pode ocasionar uma miocardite. Pode explicar um pouco sobre essa doença? Como a infecção por coronavírus pode causa-la?
Dr. Merli: Sabemos há um bom tempo, que todo vírus pode atacar qualquer órgão do corpo. Se ele ataca o fígado, chamamos de hepatite viral, se ataca o cérebro, temos uma encefalite viral, se ataca o pulmão, temos uma pneumonia viral, e o coração, temos uma miocardite viral. O problema do vírus, é que não se tem nenhuma medicação, são raras as exceções, como a hepatite B e C, em que temos medicamentos efetivos para lidar com isso, mas com a miocardite viral não tem muito o que ser feito. Quando a pessoa pega o vírus e ele atinge o músculo cardíaco é muito preocupante, porque a taxa de mortalidade nesse tipo de complicação é muito alta.
Quais os tratamentos indicados para pacientes cardiopatas em caso de contaminação pela Covid?
Dr. Merli: Não tem nenhum tratamento eficaz para a Covid. Todos os tratamentos utilizados na fase inicial da doença, são especulativos. São remédios que foram desenvolvidos para outras coisas. É sempre bom discutir com o paciente o que ele gostaria de tomar. É muito complicado afirmar que existe um medicamento preventivo para Covid ou mesmo para trata-la em fase inicial. Eu não acredito nisso, sou um pouco descrente nessa situação, mas utilizo quando o paciente acredita piamente naquilo que ele está fazendo, dessa forma ele pode ter uma melhora do quadro. Mas só deve ser prescrito se a medicação não trouxer nenhum mal aos pacientes, com todas as restrições possíveis.
O senhor atende muitos idosos. Pela sua experiência, hoje em dia, os idosos estão mais ativos ou mais sedentários? Eles buscam atividades físicas e cognitivas?
Dr. Merli: Infelizmente a maioria dos idosos não procuram atividade física. Não sei se é uma questão educacional do nosso país, mas ninguém gosta de fazer exercício físico. Vemos uma relutância a respeito disso, por mais que a gente insista que isso é uma coisa muito importante. Mas infelizmente não vejo isso mudar, nem mesmo no envelhecimento atual. Talvez possa ter tido uma melhora com relação a antes, mas não vejo nada intenso, é difícil as pessoas mudarem o hábito de vida. Os idosos geralmente só fazem exercícios físicos se forem ameaçados, por exemplo, se a pessoa teve um infarto, e o médico disser que ele pode infartar novamente a qualquer momento, ele muda o estilo de vida. Mas sem ter algo que ameace a vida dele, não muda. Acho que a população ainda está muito longe disso, por uma questão educacional mesmo.
Quais as doenças mais frequentes em idosos?
Dr. Merli: Existe um desgaste natural com o envelhecimento, mas não existe doença própria da velhice. Algumas doenças são mais comuns em idosos, como a perda da capacidade cognitiva, de mobilidade, doenças degenerativas cerebrais, grandes demências, como Alzheimer, demência vascular, frontotemporal*, são muito mais comuns no envelhecimento, mas podem surgir um pouco mais cedo. Assim como artrose, artrite, são muito mais comuns com o envelhecimento. Da mesma forma funcionam as doenças cardiovasculares, as artérias vão envelhecendo, ficando endurecidas, e temos mais infartos, derrames cerebrais. Essas, são doenças comuns do envelhecimento, não próprias. Existem pessoas com 92 anos que não possuem nenhuma doença.
Como você descreve o cenário da pandemia em nossa cidade e região?
Dr. Merli: Catastrófico. Está fugindo de tudo aquilo que esperávamos. Começamos a ficar contentes com a diminuição do número de casos, e de repente os casos aumentaram novamente, e ficamos de boca aberta. É muito difícil, não vejo melhora. A única coisa que percebo que melhorou, é que diminuiu a incidência em pessoas idosas, devido a vacinação. É um sinal de que a vacina é eficaz e traz resultados. Os idosos pegam a doença de uma forma mais branda, sem precisar de internação. Hoje a doença está pegando muito mais os jovens, e isso está crescendo, o número entre 30 e 60 anos de idade aumentou muito. Está muito difícil para a classe jovem entender a gravidade da situação, eles são tempestivos, gostam da liberdade, de aglomerações. Por esse motivo o número de casos está aumentando entre eles.
Nos últimos anos o senhor empreendeu na área da geriatria, sobretudo na área de acolhimento, com a instalação de uma clínica. Como tem sido esse trabalho?
Dr. Merli: Comecei essa trabalho há uns sete anos, quando vi a dificuldade em lidar com meus pais. Ambos tiveram Alzheimer, uma evolução drástica, e não tinha naquele momento um lugar adequado para trata-los, para acondiciona-los. Tentei a terapêutica dentro de minha casa, o que foi um desastre, porque muitas vezes os cuidadores não tem experiência com idosos, ninguém em geral tem experiência em lidar com eles, a população está envelhecendo muito rápido. Vendo a situação deles, com a evolução rápida da doença, tive a ideia de criar um residencial, um instituto de longa permanência para o idoso. Construí o local para juntar forças no tratamento da pessoa idosa, da pessoa desamparada em casa que não tem uma estrutura tão boa.
A tendência é que isso aumente cada vez mais, porque as pessoas estão vivendo mais. Hoje em dia todo mundo trabalha, então ninguém tem mais tempo para cuidar dos pais, dos avós. Chega em um momento em que o idoso fica necessitado, mais dependente dos familiares, e as pessoas vão começar a buscar estrutura para dar atenção aos pais e avós. Daqui para frente teremos espaços cada vez mais bem montados para cuidar do envelhecimento das pessoas.
Neste período de pandemia houve aumento na procura pela clínica?
Dr. Merli: Esse ano especificamente não. Mas a procura aumenta a cada ano, temos seis anos de residencial, e hoje temos espaço para 50 internos. Hoje estamos trabalhando com 40. Nossa estrutura visa o bem estar de nossos residentes. Tudo é investido para dar uma melhor atenção aos idosos.
*Doença frontotemporal- DFT é nome dado ao tipo de Demência em que ocorre degeneração de um ou de ambos os lobos frontais e temporais do cérebro. Os lobos frontais (esquerdo e direito) regulam o humor, comportamento, julgamento e auto-controle.