Gazeta Do Rio Pardo

Bruno Ferreira, um guerreiro do início ao fim

Bruno Ferreira

“Sempre vou lembrar dele como uma pessoa incrível, e será sempre minha fonte de motivação e inspiração”, disse o irmão

Segunda-feira, dia 8 de junho de 2020, São José do Rio Pardo perdeu um de seus atletas mais queridos, Bruno Ferreira, que lutava contra o câncer desde 2014. Com 32 anos, Bruno era lutador, marido, pai de Emanuele de apenas 6 meses, irmão mais velho, filho e amigo de muitos. Houve uma forte comoção nas redes sociais, já que Bruno era fonte de inspiração, orgulho, admiração e determinação para muitas pessoas. 

Susana de Cássia Jacob Silva, esposa de Bruno, e Alisson Gabriel Silveira Tardelli, irmão, contaram um pouco sobre sua história e descreveram as ações, trajetória, conquistas e personalidade que encantava a todos.

“Cursamos nosso último ano de faculdade de Educação Física, juntos, em 2010. Foi quando o conheci, aquele meninão que chegava na sala sempre atrasado e com aquele sorrisão, sempre correndo já que naquela época treinava, trabalhava e estudava. Criamos uma amizade muito especial, até que um dia a grande amizade se transformou em amor, então começamos a namorar no dia 25 de dezembro de 2010. Foi tudo muito rápido e hoje vejo que não foi a toa. Bruno sempre treinava bastante, mas tinha que dividir seu tempo com o trabalho, então resolveu ir morar em São Paulo para viver da luta. Mas um dia foi o suficiente para perceber que São Paulo seria um passo muito grane, então voltou. Mas jamais desistiu, pouco tempo depois foi para Campinas, para morar em um quartinho na academia do mestre Marcelo Ferreira, onde ia treinar. Na primeira quarta-feira me ligou chorando e me disse: ‘Amor, não consigo, quero voltar embora.’ Então, sabendo que estar lá era seu sonho, lhe disse, ‘Fica aí pelo menos até sexta-feira para ver se realmente não é isso que você quer.’ Então ao final da semana me agradeceu por ter dito aquilo, e viu que era sim tudo o que sonhou. Treinar de manhã, tarde e noite, era seu sonho se tornando realidade, foram meses sofridos dormindo em um quartinho, jantando comida fria, às vezes treinando sem comer, sem conforto algum, mas como ele dizia, ele pirava com tudo aquilo.Ele era uma menino muito dedicado, então logo apareceram lutas boas e assim sua carreira no MMA despontou. Seu objetivo era chegar no UFC, mas primeiro teria que fazer luta fora do Brasil para ser reconhecido”, contou Susana.

“Nos casamos no dia 10 de janeiro de 2014, já fazia 8 meses que ele estava morando lá, me mudei e seguimos nossa vida, trabalhando, treinando, até que chegou o dia em que seu contrato tão esperado chegou, para lutar nos EUA”, completou.

“Algumas dores já estavam aparecendo, fizemos alguns exames e o laudo era pedra no rim, e a dor não parava, só aumentava, até que um dia em uma das vindas à São José, conseguimos internação para que ele pudesse se livrar das dores, ele até chorou de felicidade por ter a chance de realizar uma cirurgia e se livrar das pedras, mas na mesma semana descobrimos que a pedra no rim era um câncer”, relembrou Susana.

“Como ele dizia: ‘fui do céu ao inferno em uma semana, meu pensamento era que iria morrer, que meu sonho tinha acabado.”

“Passamos por momentos bem difíceis desde então, entre cirurgias que foram três, quimioterapias, internações, Bruno ficava bem debilitado durantes as quimioterapias, mas logo ele se reerguia, aquele menino tinha uma força extraordinária. Durante esses seis anos de idas e vindas no tratamento nunca paramos de sonhar e viver, gostava muito de viajar, trabalhar, treinar. Ele sempre disse, eu sei que tenho a doença mas não vou deixar de viver. Pelo contrário, a doença o tornou mais forte ainda, conquistamos nossa academia e tantas outras coisas materiais e sentimentais que com a vinda da doença havíamos perdido”, contou.

Carreira

“Ele sempre ganhava todas as lutas que fazia, a Ronda Rousey homenzinho, já que finalizava todos seus adversários com arm lock, mas com a doença, ele ficou um bom tempo sem treinar forte, mas jamais tirava o kimono, mesmo durante o tratamento subia no tatame para dar aula ou para rolar. Mas aquele sonho de ir lutar nos EUA estava ali dentro, então em 2016 voltou a treinar forte e disse a seu empresário que ainda estava aqui disposto a tentar recomeçar sua carreira, voltou a treinar em Campinas, três vezes na semana, fora os treinos aqui na cidade com seus alunos e em Mococa, então a tão esperada luta apareceu”, disse a esposa.

Bruno com seus troféus e cinturões, conquistados durante a carreira

“Bruno sempre subiu ao monte para orar, e em uma dessas vezes subiu e conversou com Deus. Ele disse ‘Senhor, não estou triste que a luta não apareceu, mas não posso continuar indo treinar, está ficando caro e difícil, não estou zangado com isso, mas vou parar, esse sonho não era para acontecer’. Nesse mesmo dia, algumas horas após descer do monte, recebeu uma mensagem de seu empresário perguntando se ele estava disposto a ir realizar uma luta nos EUA. Sem pestanejar aceitou sem mesmo saber com quem era”, revelou.

“Foi assim, em agosto de 2018, que Bruno fez sua primeira luta nos EUA, saiu com a derrota, mas com a felicidade de realizar seu sonho e levar o nome e os milagres que Deus realizou em sua vida, já que esse era seu objetivo”, relatou Susana.

“Deus ainda fez mais, mesmo com a derrota ele foi convidado a lutar novamente, um evento maior ainda e ficou com a luta principal, em abril de 2019. Nessa luta Bruno já sentia dores nas costas, havia um nódulo que pressionava sua coluna, tomava remédio para dor, subiu no octagon, foi derrotado, mas com aquele mesmo sorriso no rosto, agradecendo a Deus por ter feito tudo aquilo por ele”, prosseguiu.

“Sabíamos do amor que ele tinha pelas artes marciais, pela luta. Quando eu tinha por volta de 12 anos, ele tinha mais ou menos uns 15 ou 16, e começamos a fazer karatê juntos com o professor Dovil, e logo em seguida ele começou a praticar Jiu-jitsu com o Paulo Surian, desde então ele não parou mais. Criou uma carreira muito linda e inspiradora no esporte, no MMA e no jiu-jitsu, foi o primeiro rio-pardense a ir para os EUA. Isso foi um motivo de muito orgulho para todos da família”, relatou Alisson.

Valor nas coisas simples

“O Bruno era uma pessoa muito especial. Fez parte da vida de muitos e deixou um pedacinho dele em cada um. Quando ele se aproximou mais de Deus encontrando o seu lugar e conhecendo mais de perto a fé, se tornou uma pessoa totalmente diferente. Aprendeu a dar valor nas coisas mais simples, a não sentir ódio, inveja, aprendeu a perdoar, fez o possível e o impossível para viver de acordo com os mandamentos. Até o ultimo minuto de sua vida dizia que Deus não deixou de realizar nenhum sonho, Deus restaurou sua voz quando os médicos diziam que poderia não falar mais, devido a um nódulo que pressionava suas cordas vocais. Deu uma filha quando os exames diziam que isso não poderia acontecer, deu seis anos quando os médicos diziam que sua vida seria breve. Deu duas lutas nos Eua, além de tantos outros milagres”, disse a esposa.

“O Bruno na parte familiar sempre foi um espelho para nós, sempre nos espelhamos nas atitudes dele, no grande coração que ele tinha. Sempre amamos muito ele, sempre foi o irmão mais velho, e sempre teve aquele ar de proteção. O Bruno não tinha nenhum tipo de maldade, sempre procurou fazer o bem”, contou o irmão.

Bruno e sua filha Emanuele

Agradecimento

“Somos gratos a todos que ajudaram, que se preocuparam com ele, que enviaram mensagens positivas, isso agregou muito para fortalecer ele, porque toda palavra positiva gera motivação, e isso o ajudou a continuar lutando, ele foi guerreiro do início ao fim”, agradeceu Alisson.

“Desde a descoberta da doença, fomos abençoados com pessoas especiais que tornaram nosso fardo mais leve, não consigo dizer o nome de todos, mas todos aqueles que passaram por nossas vidas, sabem que nos ajudaram, eram os anjos que Deus enviava para nos ajudar e apoiar”, contou Susana.

“Bruno sempre foi muito agradecido, do médico a cozinheira, ele cativava a todos com sua educação, respeito e simpatia. Fomos muito abençoados. Onde ele entrava levava seu sorriso, era uma luz especial, uma pureza, mesmo doente, com dor, nunca deixou de dizer obrigado, pela conversa, pelo prato de comida, pela limpeza, pelo cuidado”, completou.

Momentos difíceis

“Desde dezembro de 2019, foram meses de muito sofrimento, tanto físico quanto mental, pois as dores estavam aumentando impossibilitando até que ele andasse, e naquele momento ele sentia que a doença estava tomando conta, mas sua fé em momento algum foi abalada. Todos os dias pela manhã quando ele se levantava, com dificuldade devido as dores, agradecia a Deus por estar ali e o colocando de pé mais um dia. Assim foi até o dia em que foi internado em março deste ano. Em um semana suas pernas perderam o movimento. Desde então Bruno pedia a misericórdia de Deus, o sofrimento era muito e estava cada dia mais difícil de suportar. Depois de um mês internado voltou para casa, cuidamos dele com o maior carinho possível, foram dois meses de alegrias por estar ao lado de sua filha e de tristeza com os problemas que apareciam”, relembrou.

Descanso

“Entendemos a situação, ele estava sofrendo, agora ele descansou. A compreensão que demora um pouco mais para chegar. Mas agora ele está junto de Deus olhando por todos nós de lá de cima, vamos dar o máximo para sempre estar orgulhando e honrando ele. Sempre vou lembrar dele como uma pessoa incrível, e será sempre minha fonte de motivação e inspiração”, disse Alisson.

“Acreditamos até o último minuto que o milagre aconteceria, mas entendíamos que se ele fosse embora seria seu descanso, o descanso que ele realmente queria, ele dizia que estava muito difícil, chorava várias vezes dizendo que queria ir embora. E assim foi, me deixou uma paz tão grande, me ensinou a crer que Deus é bom o tempo todo, e assim vou seguir, o vazio jamais será preenchido, mas ele está a nos guardar sempre”, encerrou Susana.


Bruno durante o nascimento de Emanuele