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Feliz aniversário, querida São José do Rio Pardo

Feliz aniversário, querida São José do Rio Pardo
Por Cássio Zanatta
São José do Rio Pardo, 19 de março de 2018

Fui gentilmente convidado a dizer algumas palavras sobre o aniversário da nossa querida São José. A honra é imensa. Espero ter escolhido as palavras certas, eu, que como nossa cidade, levo o nome de José. Desculpem essa voz meio enjoada e, no momento, mais atrapalhada ainda pela emoção. Sem falsa modéstia, nossa cidade merecia um orador mais capaz.

Necessário confessar que sou um rio-pardense meio de araque. Apesar de nascido aqui, vivi mais fora do que dentro. Mas tudo o que mais ficou, veio, e ainda vem, de São José. E não adianta: basta passar alguns dias aqui, para ser dominado pelo arrastar de alguns erres e pelo uso de alguns termos tão nossos. Deve ter algo a ver com tanto café e rosca que a gente come nas visitas aos parentes queridos.

Tudo o que eu aprendi, e hoje sei, é que em São José a chuva chega por trás do morro do Cristo. O dinheiro pode faltar, um amigo, decepcionar, a vida pode dar umas traulitadas na gente, mas se as nuvens chegam escuras, carregadas, revelando os contornos do Redentor, sei que tenho que me abrigar, correr pra casa, beber um café com tempo de pensar. Com sorte, ouvido os ecos dos trovões que ficam insistindo nos morros. Minha terra não me engana. Em São José sempre pude confiar.

Já estive bem confuso e um pouco perdido. Sem saber se pausava, se corria pra direita ou mergulhava no outro flanco. Então eu me sentava às margens do rio Pardo, ali, do lado da herma do Euclides da Cunha, com vista para a ponte, e o barulho das águas, a lapidação nas pedras, o voo de alguma garça, isso me assossegava. Jamais me levantei dali menos seguro de que quando me sentei.

São José, terra de tanta descida e subida, de gente de perna grossa, trabalhada, exigida. Onde a Lua chega pela Vila Pereira, grande, laranja, acordando os cachorros e os galos, que se enganam, pensando que é o nascer do Sol. Do céu que duplica as estrelas, tantas que de vez em quando a gente vê uma delas cair, parece faltar espaço de tanto que tem.

As ruas das casas bonitas, com varandas e as famílias proseando nas varandas. Está certo que às vezes falam mal do alheio, mas isso é coisa dos homens, não é culpa da terra. Casas com porões com suas histórias e segredos guardados. Tanto que a gente se aventurou por aqueles escuros, fumando escondido, cruzando algum móvel velho ou retrato de antepassado ou caranguejeira escondida.

São José da chuva grossa do verão, que faz subir o cheiro de terra quente. Do caminhar procurando as sobras. Do frio de julho, das geadas que queimam a grama, os pastos, a cebola, os cafezais. A gente menino achava a geada linda, os adultos puxavam logo o terço para pedir proteção às lavouras e a gente se rindo, adorando tudo coberto pela brancura.

Terra de grandes amigos, do primeiro amor, que não passou de uma paixãozite meio besta e nunca foi mais que isso. Mas que acendeu em mim paixões que ficaram para o resto da vida, como o encanto pela poesia e pelos silêncios.

Certo que às vezes dá uma saudade danada de vagalume. Eram tantos, sinalizando o começo da noite. Os tatus bolinhas das brincadeiras nos quintais. Mas andam sumidos, como anda sumido o sorvete de creme holandês da infância. E eu fico me perguntando se um dia existiu creme holandês na Holanda.

Mas no todo, São José continua São José. Com suas belezas, muitas, e suas feiuras, poucas (graças aos céus). Seus cachorros de rua, tão pacíficos. Os sinos das Igrejas, que batem papo todo domingo de manhã e castigam as nossas dores de cabeça pelas ressacas das farras e festas e bailes de sábado à noite.

Como naquelas propagandas que dizem “é aniversário de Fulano, mas quem ganha o presente é você”, eu, como riopardense que ama a cidade, pediria alguns presentes (não sei a quem, mas pediria): Que voltasse a funcionar o chafariz da Praça, com suas músicas e jatos de luzes coloridas, há tantos anos quebrado para o desperdício da alegria de crianças e adultos. Pediria também, senão o fim, o bom senso de diminuírem a poluição sonora, em anúncios que berram nos alto falantes nos carros e nas lojas (um pouco mais de respeito pelos cidadãos, por favor). Se não for muito, um pouco mais de iluminação no Cristo, de noite ele anda tão apagadinho. E se ainda for possível, o milagre de voltar a encontrar conhecidos pelas ruas, ultimamente isso anda tão difícil.

Ê, Sanzé. Meus pais dormem sob esta terra. Em paz, depois de uma vida linda. Alguns tios, avós, primos, alguns até mais jovens do que eu. Por isso eu piso no seu chão com todo o respeito e cuidado, e sinto que cada flor ou árvore bonita que nasce tem o toque deles.

Hoje podemos contar com um dia bonito de sol. Por enquanto, não há nuvens vindo detrás do Cristo. São os últimos dias de verão, e é 19 de março, aniversário de minha terra. Já rodei mundo afora e posso dizer: esta é uma cidade muito, muito bonita. Cuidemos bem dela. Ela merece nosso abraço, orgulho e respeito.

Amanhã tenho de voltar pra capital e seus desafios e sua violência, correria e confusão. Mas levo comigo uma certeza que guardarei para sempre: a de que, haja o que houver, a chuva sempre vai chegar por trás do morro do Cristo. Em minha terra sempre pude confiar e nunca me arrependi.

Perdão a todos se este texto ficou muito auto-referente. Mas não sou orador nem sei fazer discursos. Tudo que posso fazer é escrever sobre os sentimentos que minha terra causa em mim. Saudade misturada com alegria salpicada de admiração e com uma enorme ponta de orgulho. Como faria a uma pessoa muito querida, eu queria cantar para a cidade um Parabéns a você. Como minha voz de taquara rachada não é de nada, eu peço a todos os que aqui estão, filhos de São José, naturais ou adotivos, Josés ou não, que me ajudem, me acompanhem nessa pequena, mas sincera homenagem. Vamos lá, gente? Todos cantando? Bora? Um, dois e…

(Parabéns a você)

Tem uma segunda parte da música que ninguém canta mais, que hoje eu gostaria de acrescentar:

Que esta data querida

Muitas vezes nos dê

O prazer de cantar

Parabéns a você.

Feliz aniversário, querida São José do Rio Pardo.

(*)Orador oficial na solenidade comemorativa aos 153 anos de fundação da cidade

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